Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* –
A origem do Beco do Fanha nos remonta à figura de Inácio Manuel Vieira que, em torno de 1800, teria comprado um pedaço de terra entre a Rua da Praia e a Rua do Cotovelo (atual Riachuelo). Nesta área, ele construiu uma casa de muitas portas e janelas e abriu um atalho que da Rua da Praia conduzia os visitantes até um dos lados da sua nova residência. Em pouco tempo, o lugar ficou conhecido por Beco de Inácio Manuel Vieira.
Passado alguns anos, outro personagem se estabeleceu no lugar, cuja alcunha se tornou famoso no imaginário citadino: Francisco José de Azevedo, o Fanha. Ligado ao comércio, o novo morador abriu um armazém de Secos & Molhados, na esquina do beco, em frente à Rua da Praia. Com o convívio diário, a clientela começou a comentar acerca da voz fanha do proprietário, muitas vezes, difícil de ser compreendida. Em pouco tempo, como num rastro de pólvora, o local passou a ser chamado de Beco do Fanha.
Em 1834, atas da Câmara Municipal já se referiam ao beco pela alcunha dado ao famoso comerciante. Ao longo do tempo, outras casas foram sendo construídas e o lugar se transformou num logradouro público. Em 1884, O fiscal honorário mais popular da cidade na época, Felicíssimo Manuel de Azevedo (1823 -1905), em uma das suas crônicas, louva a iniciativa do pioneiro morador Inácio Manuel Vieira, que antecedeu ao Fanha, em ter aberto uma nova rua na cidade.
De acordo com Sérgio da Costa Franco, em 1873, a Câmara Municipal trocou o nome do local por Travessa Paysandu. O nome foi uma homenagem a batalha vencida, em 1865, no Uruguai, pelo Exército brasileiro, na Guerra contra Aguirre. Fato curioso é que o nome, em Guarani, significa gagueira cortando o fio da palavra. Embora tenha sido mudada a nomenclatura do local, o nosso personagem, o Fanha, de alguma forma continuava presente. Já Ary Veiga Sanhudo (1915-1997) registra que a troca se deu no ano de 1895, inclusive, com a demolição das casas do velho beco, determinada pelo intendente Alfredo Augusto de Azevedo.
Na administração do intendente José Montaury de Aguiar Leitão (1858-1939), o Beco foi alargado em 07 metros do lado da numeração ímpar, ficando com a largura de 13 metros. Na época, esta obra foi bastante importante, pois modernizou o local em relação a várias ruas centrais consideradas nobres.
Sandra J. Pesavento (1945-2009), em seu excelente artigo, “Lugares malditos: a cidade do “outro” no Sul brasileiro (Porto Alegre, passagem do século XIX ao século XX), nos informa: “Símbolos do atraso, os becos seriam o alvo de um discurso ao mesmo tempo técnico, higienista, estético e moralista que visava a varrer os pobres do centro a cidade e que passa a se veicular com força após a República, na última década do século”. O periódico O Independente (1900-1923), em 18 de fevereiro de 1906, comentou sobre o Beco do Fanha:
“Os moradores são ou vagabundos incorrigíveis ou prostitutas da mais baixa esfera, infelizes que às vezes nem têm o que comer e que, para poderem pagar o aluguel das casas, aglomeram-se 6 ou 8 em casas que com dificuldades conteriam 03 moradores. Nestas casas, a imundície é das mais flagrantes, sendo os apartamentos ao mesmo tempo sala, dormitório, sala de jantar, cozinha e latrina”
O primeiro prédio da Caixa Econômica Federal, localizado na esquina da Rua 7 de setembro, a sede do jornal A Federação (1884-1937) e o Grande Hotel , na esquina da Rua dos Andradas, deram uma nova configuração à Travessa Paysandu, cujos transeuntes mais velhos insistiam em chamá-la pelo antigo nome: Beco do Fanha.
Em dezembro de 1944, o decreto-lei nº 213, assinado pelo prefeito Brochado da Rocha (1910-1962), determinava que a Travessa Paysandu fosse denominada de Rua Caldas Júnior numa deferência ao jornalista sergipano, que inaugurou o período empresarial da imprensa gaúcha, em 1º de outubro de 1895, ao fundar o jornal Correio do Povo.
Nesta área, no prédio inaugurado, em 06 setembro de 1922, para sediar o jornal do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) A Federação (1884-1937), encontra-se instalado, desde 10 de setembro de 1974, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa que, neste ano, completará 42 anos de importantes atividades culturais junto à sociedade gaúcha.
A historiadora Sandra J. Pesavento (1999), em seu excelente artigo, já citado neste texto, registrou, acerca dos becos e da paisagem urbana da nossa cidade, o seguinte trecho:
“No velho centro da cidade, os antigos “becos”, ao desaparecerem, levaram consigo as denominações antigas e varreram da memória a toponímia estigmatizadora. Mas, por um processo contemporâneo de degradação da área central, os pobres voltaram a reocupar estas áreas, nelas fazendo seu ponto de encontro ou de trabalho, naquele mercado invisível que caracteriza a economia brasileira contemporânea e que ocupa uma posição de centralidade na urbe.”
As gerações mais recentes sequer imaginam que o local onde transitam, em seu dia a dia, havia um Beco com buracos e valetas, onde circulavam jovens, idosos, escravos e mulheres, em busca de sobrevivência, chamadas de “messalinas” ou de “horizontais”, como registram os jornais da época e o primeiro cronista da nossa cidade Antônio Alvares Pereira Coruja (1806-1889). Eram outros tempos….
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite – Pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom.*
Bibliografia:
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade (UFRGS), 1988.
OLIVEIRA, Clovis Silveira de. Porto Alegre / A Cidade E Sua Formação. Porto Alegre: Gáfica e Editora Norma, 1985.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Rev. bras. Hist. vol. 19 n.37 São Paulo Sept. 1999.
SANHUDO, Ary Veiga. Porto Alegre / Crônicas da Minha Cidade. Porto Alegre: Ed. Movimento / IEL, 1975. Foto da capa:
Rua Caldas Júnior, inicio na Avenida Mauá até a Rua Riachuelo.
Sua origem remota aos tempos da vila, quando foi conhecida como Beco da Inácio Manoel Vieira que, segundo o cronista Coruja, ali edificara vários prédios, até o ano de 1829, quando já era chamada, também, de Beco Quebra-Costas e Beco do Fanha, apelido de um taverneiro fanhoso, Francisco José Azevedo.