Na quarentena, tiros contra o meu apartamento: nossa sociedade está criando covardes armados

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O autor do texto preferiu não se identificar – 

À 1h30 da madrugada de uma quinta-feira, quarentena, minha varanda – na avenida Alfonso Bovero, em Perdizes, bairro nobre da capital paulista – foi alvejada por diversos tiros supostamente de uma arma de Airsoft.

Desde a primeira semana de isolamento social (que temos cumprido com grande rigor aqui em casa) os panelaços contra as posturas irresponsáveis do presidente têm acontecido praticamente todos os dias, sempre às 20h30.




Participei das manifestações em diversos dias e, nos primeiros dias, alguns vizinhos do prédio da frente (não posso precisar de que andar ou apartamento, já que não apareceram em suas janelas, permanecendo ocultos pela noite) gritaram e me ofenderam em defesa do presidente.

Naquela semana, entre o dia 21 e 23 de março, dois ovos foram atirados na porta de nossa casa. Eu e minha companheira limpamos a porta, desinfetamos tudo (pois desinfetamos tudo a todo instante diante do risco de contágio do coronavírus) e decidimos não dar maior importância ao caso.

Quando naquela quinta, dia 09 de abril, fomos surpreendidos por bolinhas de plástico sendo atiradas em nossa varanda, percebemos que isso só poderia ter a ver com as panelas contra o presidente.
Aos fatos: na madrugada do dia 09, acordo e ouço, na varanda, o som de pequenos objetos quicando no ladrilho.

Saio e não há ninguém na rua. Acendo a luz da varanda e me deparo com bolinhas brancas de plástico no chão. Bolinhas pequenas, não maiores do que grãos de milho. Acho estranho, mas reconheço as peças. São balas usadas em armas de Airsoft.

Me assusto e, no meio da madrugada, conto a minha companheira o que houve. Ela se assusta também e me conta que achou uma dessas bolinhas no dia anterior, pela manhã, no vaso de uma das plantas da varanda.

Nós havíamos lido uma notícia na imprensa no dia anterior, dando conta de que, há menos de seis quadras do nosso endereço, um apartamento havia sido alvejado por armas de Airsoft alguns dias antes, no horário do panelaço. Não apenas isso, algumas quadras mais pra baixo, uma mulher havia sido ferida por um projétil desses.

Na manhã seguinte, encontrei mais uma bolinha, dentro do banheiro de casa, cuja janela dá para a varanda. De poucos ângulos é possível acertar um tiro de pressão dentro do banheiro, fazer o projétil passar pela janela basculante: a calçada do outro lado da rua (quase em frente à portaria do prédio) ou um dos apartamentos dos andares inferiores.

Na rua, em frente a nossa casa, mais outras tantas bolinhas brancas, outras tantas balas não-letais, outros tantos projéteis. Ao todo, oito balas.

Fizemos o óbvio: ligamos para o 23º Distrito Policial da capital, a delegacia de Perdizes, e explicamos ao telefone o que havia acontecido. A pessoa que nos atendeu pediu que fôssemos ao DP registrar a ocorrência e levar as munições para apreensão e perícia. Seguimos à risca sua orientação.

Desde então, encontrei ainda mais quatro munições espalhadas entre minhas plantas e a calçada diante de casa. Comunicamos os vizinhos sobre o ocorrido, inclusive o edifício da frente, para que as pessoas saibam que isso está acontecendo ao lado de suas janelas.

Não batemos mais panela. Tenho filhos e a segurança deles está acima de qualquer coisa. Mas essas bolinhas brancas são um aviso. Só que não são um aviso pra eu parar de bater panela contra o presidente. São um aviso sobre como grupos de cidadãos comuns, quando alimentados pela ignorância, pelo medo, pela violência e pela impunidade, se transformam em grupos de extermínio. Se transformam em milícia.

São um aviso para atentarmos para o que nossa sociedade está criando: covardes armados.

Obs.: A foto do post é de um outro prédio alvejado por tiros em Perdizes

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