A jornalista Thelma Kai, amiga do blog, faz aqui um relato sobre suas experiência numa estatal (Correios), abordando duas formas de gestão: uma voltada para o público e outra para o umbigo.
Por Thelma Kai, jornalista –
Há 12 anos eu entrei em um novo emprego. Muito empolgada, porque o marido à época trabalhava nessa empresa, pública, então eu tinha acesso ao jornal interno, que era enviado para a casa dos trabalhadores, e achava de ótima qualidade. E eu iria trabalhar nele.
Chegando a Brasília, descobri que o tal jornal era feito por uma agência, na verdade, e não pelos jornalistas da casa. E o TCU tinha mandado encerrar aquele contrato. Então, adeus, jornal.
Nos quatro anos seguintes, a decepção só foi aumentando. Percebi que a direção da empresa e a maior parte do corpo estratégico considerava comunicação irrelevante; comunicação pública, então, absolutamente desnecessária; e jornalistas eram tratados como profissionais de segunda categoria, não confiáveis. A comunicação não era envolvida em nada, não tinha papel estratégico, porque os jornalistas da empresa poderiam “vazar” informações confidenciais à imprensa – sim, eu ouvi isso.
O site da empresa mal tinha um espaço para noticias. E era o único veículo de comunicação com a sociedade. Ouvi de algumas pessoas que o site era para “vender”. Sempre argumentei que se a empresa não se comunicasse adequadamente com os clientes, não venderia nada.
As decepções se acumulavam de tal maneira que em 2010 eu pedi arrego. Tentei ir pra outra área, porque me envergonhava de trabalhar na Comunicação. Ouvia as críticas – acertadas – de todos no elevador e nos corredores; ouvi de um jornalista amigo meu da faculdade que era melhor eu sair dali porque a minha credibilidade profissional, conquistada ao longo de 10 anos, estava se perdendo; e ouvi de uma jornalista que nos telefonou um dia: “Vocês não tem vergonha? Ganham salário pago pelo povo e não fazem nada aí, essa assessoria não serve pra nada, vocês nunca podem dizer nada, nunca têm uma informação. Como é que vocês dormem à noite?”.
Não dormíamos, na verdade. A gente brincava entre nós mesmos, que quando o telefone da assessoria de imprensa tocasse, iríamos atender e dizer: “Não tem nenhum jornalista aqui neste momento, eu só faço a limpeza, mas anoto o recado”.
Seria engraçado se não fosse a pura verdade.
Em 2011, uma nova gestão entrou. E estava interessada em comunicação. Realizou um concurso público e contratou dezenas de jornalistas. Aumentou o espaço para as notícias no site e deu visibilidade a ele – e com um apoio incrível da área comercial, que também sabia da importância da Comunicação. Criou um blog e canais nas redes sociais. Exigiu transparência da assessoria de imprensa, atendimento a 100% das demandas no prazo. Os resultados operacionais aumentaram. A receita de vendas também, muito mais do que nos anos anteriores. Tanto que o tesouro retirou uma grana altíssima do caixa da empresa nesse período, em lucros e dividendos – e não é ilegal nem imoral, é direito da União.
Por quatro anos consecutivos, fomos eleitos uma das empresas que melhor se comunicam com jornalistas, em uma pesquisa capitaneada pela equipe de Audalio Dantas. Em tempo: já ouvi indiretas sobre termos comprado o prêmio. Por dificuldades de contratação e licitação em uma empresa pública – e algum boicote também – não conseguíamos nem mesmo publicar um anúncio de agradecimento pelo prêmio na revista organizadora.
Bom. Hoje abri o site da empresa. Tomei um susto, porque era um site novo. Com tristeza imensa percebi que o espaço de notícias e o link para o blog foram jogados para o rodapé do site.
Senti uma dor pessoal ao me lembrar de quantas noites passei em claro, de quantos finais de semana deixei de estar com minha família, para construir uma comunicação melhor. De como meus colegas também se dedicavam, ficando comigo até altas horas da noite na empresa, em nome de um trabalho bem feito. De como os dirigentes da empresa também não hesitavam em atender qualquer demanda de Comunicação, mesmo de férias, mesmo fora do Brasil, mesmo na madrugada, mesmo na hora da virada do Réveillon (sim, teve isso).
Em dois anos, tudo foi revertido. Antes eu achava que era apenas falta de conhecimento de uma direção desastrada. Mas não é. Essa gestão há poucos dias viveu um sufoco danado, de impactos comerciais e políticos, justamente por não ter pensado em uma estratégia de comunicação adequada.
Não foi vacilo. Não foi à toa. Eles sabem que a comunicação é importante para manter e conquistar clientes.
E é justamente por isso que a estão matando.
Nesses dois anos, apesar de todas as medidas mágicas estapafúrdias alardeadas por eles, os resultados da empresa são promessas não cumpridas.
Mas, claro, não têm a nada a ver com Comunicação.
PS: e toda a minha solidariedade aos meus colegas bem intencionados que estão ainda na Comunicação ali e que compartilham comigo suas angústias e sofrimentos pela situação atual. Não são poucos. Mas na boa: estão muito quietos. Para mudar as coisas é preciso se mexer. Falar. Dá um desgaste absurdo, mas como eu sempre disse a todos vocês: tem sempre alguém vendo. Verão se vocês lutarem pelo que é correto, do mesmo modo que estão vendo vocês ficarem apáticos.