Por Ricardo Kotscho, do Balaio do Kotscho, UOL
Como se só tivesse ele no time, e fosse ainda um garoto, o presidente tem que jogar em várias posições, na defesa e no ataque, armar o meio de campo, cobrar o escanteio e correr na área para cabecear, mas querem que ele também apite o jogo.
Querem tudo de Lula. Para ontem. Não basta ser presidente de uma República destroçada por anos de incúria, golpismo, esculacho e malversação de dinheiro público.
Lula já sobreviveu à fome, a um câncer, a 580 dias de prisão e a uma tentativa de golpe de Estado, uma semana depois de tomar posse, mas ali estava apenas começando a sua agonia, sem saber por onde começar a reconstrução do país, pois tudo exigia urgência e a sua presença física, como se ele não fosse um só, mas vários. Por isso, tem pressa para ver os resultados.
Como se só tivesse ele no time, e fosse ainda um garoto, o presidente tem que jogar em várias posições, na defesa e no ataque, armar o meio de campo, cobrar o escanteio e correr na área para cabecear, mas querem que ele também apite o jogo.
Ainda hoje, como se tivesse espaço sobrando na agenda, Lula arrumou mais um serviço para ele mesmo: estreou um podcast com o jornalista Marcos Uchôa, para ver se melhora a comunicação do governo, diante da concorrência desleal das sequelas jurídico-policiais do bolsonarismo e do lavajatismo, que sequestraram a agenda do país. O programa agora será semanal.
Todos, a começar pelo Centrão e pelo mercado, só querem falar com Lula. Ministros e assessores não servem. Se não atende a todos no mesmo dia, é porque está diferente, ficou mascarado, pensa que tem o rei na barriga.
Querem que ele cuide pessoalmente da “articulação política” e que seja, ao mesmo tempo, porta-voz do governo e grão-chanceler, porque todo mundo só quer falar com ele.
É pedir um pouco demais para um cidadão de 77 anos, presidente pela terceira vez, que casou de novo recentemente e, em menos de seis meses de governo, já deu uma volta ao mundo para o Brasil recuperar o prejuízo do tempo perdido.
Se Lula fosse fazer tudo que todos lhe cobram todos os dias, não sobraria tempo para dormir e comer, nem para ir ao banheiro.
Cobrado por tudo que fez ou deixou de fazer, está sempre em dívida com os editorialistas e comentaristas da grande imprensa, alguns órfãos do lavajatismo, como o imortal Merval Pereira, que ainda hoje insiste no Globo em lhe cobrar um “programa” de governo, como se ele não fizesse outra coisa, todo dia, a não ser anunciar novos projetos em todas as áreas da administração pública. Se o povo não fica sabendo do que já foi anunciado e feito, a culpa também é dele, claro, e não de quem produz o noticiário.
Mas se a Bolsa sobe e o dólar cai, a culpa nunca é dele; se acontecer o contrário, seu nome logo é lembrado.
O que não faltam são conselheiros, consultores e professores de presidente, que querem lhe ensinar o que deve fazer. Um dos mais notórios é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que lhe recomendou para anunciar logo se será ou não candidato à reeleição, daqui a três anos e seis meses, para evitar a disputa de poder dentro do governo. Que maravilha! Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come…
Quando eu me metia a lhe dar conselhos no primeiro governo sobre o que fazer diante de qualquer crise, ele se limitava a me perguntar: “Ah é? E quantos votos o senhor teve na última eleição?”