Não existe educação no império do agora – Por Raphael Fagundes

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Uma pessoa refém do presente, que precisa garantir o seu sustento, jamais se dará ao luxo de refletir sobre o futuro da humanidade

POR RAPHAEL SILVA FAGUNDES, COMPARTILHADO DA REVISTA FÓRUM




Não existe educação no império do agora – Por Raphael Fagundes
Paulo Freire. Wikimedia Commons

“Compreender o tempo é libertar-se do presente”, observa Jean Piaget em seu estudo sobre a noção de tempo na criança. A criança concebe a realidade por meio do egocentrismo “que situa o estado de consciência atualmente vivido no centro de tudo”.[1] Curiosamente isso nos lembra a vida adulta no capitalismo atual. O presentismo e o atualismo. Tais noções que temos do tempo, no mundo acelerado em que vivemos, são as mesmas de uma criança que concebe “ao mesmo tempo um fator de irreversibilidade porque assim o imediato sucede ao imediato, sem construção de conjunto”. O egocentrismo, para Piaget, é um “estado de ‘inocência’ que antecede a construção crítica”.[2] Por isso que a crítica hoje, dos que não usam a história e as contradições temporais, é mesquinha.

A partir daí podemos compreender a infantilização da sociedade atual bombardeada pelo excesso de informações que se sucedem, presente após presente, não nos dando tempo para formular uma crítica coerente.

Benjamin Barber destaca que “para o capitalismo de consumo prevalecer, é preciso tornar as crianças consumidores e tornar os consumidores crianças”.[3] A ética protestante foi substituída pelo etos infantilista. Para prender o ser humano num período de consumo potencial estendeu-se, portanto, a juventude. As indústrias da moda e do entretenimento (as mais lucrativas da atualidade) lucram vendendo produtos que fazem uma pessoa de 40 anos parecer ter 15.

Ao aprender o que os opressores querem, os oprimidos são impedidos de ser. Tornam-se meros “hospedeiros dos opressores” como diria Paulo Freire.[4] Freire fala do uso da tecnologia para impor um tipo de futuro ao oprimido. “Da tecnologia, que usam como força indiscutível de manutenção da ‘ordem’ opressora, a qual manipulam e esmagam”.[5] Esse futuro tecnológico pré-determinado, atende aos interesses dominantes. Problematizar, portanto, o futuro pode nos ajudar a criar um futuro autêntico, uma “futuridade revolucionária”.[6]

Os opressores usam a tecnologia porque é através dela que seus lucros se ampliam. É como explica Franco Berardi, “para aumentar a mais-valia por unidade de tempo há apenas uma forma, qual seja, intensificar a produtividade, aumentar a quantidade de valor que o trabalhador produz por unidade de tempo. Acelerar”.[7] É para isso que a tecnologia trabalha. Não para construção de um futuro, mas para a manutenção de um presente altamente lucrativo para os opressores.

A evolução da internet demonstra esse fato. Agora é possível explorar vários trabalhadores ao mesmo tempo em todo globo terrestre para se produzir um produto em milissegundos. “O capital compra fractais de tempo humano e os recombina na rede”.[8]

Soma-se a isso “a saturação do cérebro social pelos estímulos informativos”. Bombardeados por novos presentes sucessivos, devido a um comércio de notícias e informações que se retroalimenta, tornamo-nos incapazes de imaginar o futuro. Ficamos presos no tempo, na infância.

As pessoas não entendem mais a sabedoria como o acúmulo de conhecimento, mas a atualização. Adquire-se um conhecimento “útil” para o agora e logo depois este dará lugar a outro. É a adequação ao presente. O atualismo enxerga “o futuro como algo garantido como repetição em expansão linear do presente: dito de outro modo, o futuro atualista é apenas o presente 2.0”. “Outro efeito do tempo atualista é a crença de que estar atualizado com as últimas notícias é o mesmo que estar certo”.[9]

Como uma sociedade que nos prende ao presente irá investir na educação? Educar é em sua essência preparar alguém para o futuro. É lógico que para se ter um bom futuro, o aluno deve ter um bom presente. Educar para a vida adulta não quer dizer desprezar a infância. Com Georges Snyders “afirmo que a escola preenche duas funções: preparar o futuro e assegurar ao aluno as alegrias presentes durante esses longuíssimos anos de escolaridade que a nossa civilização conquistou para ele”.[10] É evidente também que não devemos deixar de educar para um mundo tecnológico. E neste ponto estou com Dermeval Saviani que afirma ser “preciso garantir não apenas o domínio técnico-operativo dessas tecnologias, mas a compreensão dos princípios científicos e dos processos que as tornaram possíveis”.[11]

Em uma sociedade que não há futuro não pode haver educação. Há no máximo uma formação continuada. Talvez por isso que fazer brigadeiro gourmet se tornou prática no Novo Ensino Médio, assim como fazer bolos, sabão, tijolos, artesanatos ou plantar hortaliças. A escola está deixando de ser um lugar de educação para se tornar um lugar de trabalho. A escola está se transformando no lugar do agora, deixando de ser o lugar do amanhã.

Não existe educação para a sociedade de consumo. Não existe educação neoliberal. Não existe educação no capitalismo. Simplesmente pelo fato de o capitalismo não estimular algo para além do presente.

Há muito se fala sobre a catástrofe climática, mas só seremos “educados” quando sentirmos os impactos no presente. O que já estamos sentindo… O capitalismo nos prende às necessidades do presente. Uma educação para o futuro (desculpe o pleonasmo) é desimportante para quem precisa se alimentar, ter uma moradia, se vestir e comprar o que a propaganda diz que ela ou ele merece agora. Por isso o desinteresse dos alunos. Não existe educação no império do agora.

Pensar no futuro (refletir num modo geral) só é possível depois que as necessidades básicas são atendidas. Uma pessoa refém do presente, que precisa garantir o seu sustento, jamais se dará ao luxo de refletir sobre o futuro da humanidade. É bom ser criança, mas não para sempre.

Concluo com uma passagem de István Mészáros que sintetiza a ideia de que é impossível conciliar educação e capitalismo: “Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa. Do mesmo modo, contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma contradição em termos. É por isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”.[12]

[1] PIAGET, J. A noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Record, 1946, p. 298.

[2] Id., p. 299.

[3] BARBER, B. Consumido. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 32.

[4] FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 86.

[5] Id., p. 47.

[6] Id., p. 73.

[7] BERARDI, F. Depois do futuro. São Paulo: Ubu, 2019, p. 18.

[8] Id., p. 107.

[9] PEREIRA, M. H. e ARAÚJO, V. Atualismo: pandemia e historicidades no interminável 2020. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre l, v. 47, n. 1, p. 1-16, jan-abr. 2021, p. 04.

[10] SNYDERS, G. Alunos felizes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p. 27.

[11] SAVIANI, D. e DUARTE, N. Conhecimento escolar e luta de classes. Campinas: Autores Associados, 2021, p. 76.

[12] MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 27.

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