Não existe João Bosco sem Aldir Blanc, diz o parceiro de mais de 100 obras

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Por Paulo Donizetti de Souza, compartilhado de RBA – 

“Quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças”, escreveu João Bosco. “Aldir foi um gênio e um homem bom”, define Guinga, em depoimento a Colibri Vitta, na Rádio Brasil Atual

João Bosco e Aldir Blanc, em reencontro de 2005, com Moacyr Luz, na gravação de “Me dá a Penúltima”

São Paulo – Aldir Blanc – que morreu nesta segunda-feira (4) vítima de covid-19 – e João Bosco formaram uma das parcerias mais férteis da música brasileira. Conheceram-se em 1970, sentaram à mesma mesa por mais de uma década e, das mais de 500 composições de Aldir Blanc, passa de uma centena as feitas com João Bosco. Alguns dos grande hinos da resistência e da crítica social da história do país levam a assinatura dos dois.




De O Mestre Sala dos Mares a O Bêbado e a Equilibrista, de Rancho da Goiabada a O Ronco da Cuíca, de O Cavaleiro e os Moinhos a Plataforma, poucos casaram tão bem palavras e acordes, poesia e humor, ironias e lamentos, como Aldir Blanc e João Bosco.

O estilo amalandrado de João, com suas caretas e violão nervoso, compunha uma receita harmônica com Aldir em seu caráter de cronista do cotidiano. Como bom psiquiatra, Aldir retratava em suas letras a alma do trabalhador comum.

De tão unha e carne nos anos 1970, ambos acabaram “assinando”, também, uma das separações mais enigmáticas da música brasileira, no início dos anos 1980.

No livro Aldir Blanc – Resposta ao Tempo (Casa da Palavra, 2013), o jornalista Luiz Fernando Vianna admite ter tentado descobrir o que houve e afirma ter parado no desinteresse de ambos em mexer na ferida. “Não havia uma causa mortis para o fim da parceria, e sim um conjunto de fatores que desgastou a relação”, escreve Vianna.

Talvez quem tenha mais bem definido a ruptura de Aldir e João tenha sido Paulinho da Viola, no samba-maxixe Memórias Conjugais: “Tenho asas, meu amor, preciso abri-las/ Ao seu lado não sou muito criativa…”, canta Paulinho, dedicando a canção ao amigo Aldir, com “saudações vascaínas”.

Compatibilidade de gênios

O Vasco de Aldir e o Flamengo de João são, aliás, pano de fundo de uma tragédia familiar em Gol Anulado – “Quando você gritou ‘Mengo!’, no segundo gol do Zico/ Tirei sem pensar o sinto, e bati e até cansar…”, gravada no LP Galos de Briga (1976).

João e Aldir voltaram ao estúdio juntos em 2005, na gravação de Vida Noturna – um dos poucos álbuns com a assinatura solo de Aldir Blanc, em que dá voz e vida próprias a clássicos como Me dá a Penúltima (do álbum Tiro de Misericórdia, 1977) e Resposta ao Tempo, de Aldir e Cristóvão Bastos, eternizada por Nana Caymmi na minissérie Hilda Furacão (1998).

E, de fato, não ficaram feridas a remexer, como demonstra João Bosco em post publicado neste 4 de maio, uma declaração de parceria eterna:

“Aldir foi mais do que um amigo pra mim. Ele se confunde com a minha própria vida. A cada show, cada canção, em cada cidade, era ele que falava em mim. Mesmo quando estivemos afastados, ele esteve comigo. E quando nos reaproximamos foi como se tivéssemos apenas nos despedido na madrugada anterior. Desde então, voltamos a nos falar ininterruptamente (…) Não existe João sem Aldir. Felizmente nossas canções estão aí para nos sobreviver. E como sempre ele falará em mim, estará vivo em mim, a cada vez que eu cantá-las. Hoje é um dos dias mais difíceis da minha vida”, escreveu João Bosco em sua página no Facebook. “Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão pra viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui pra fazer o espírito do Aldir viver. Eu e todos os brasileiros e brasileiras tocados por seu gênio.”

Parcerias e referências

O compositor Miltinho, do MPB4, postou no sábado Domingo Brasileiro, parceria inédita dele e Aldir. Hoje, voltou à rede social para lamentar: “É, parece que estava me despedindo do Aldir. Pensei muito nele dias atrás e lembrei de uma música que fizemos juntos. Há muito não cantava essa música. Que desagradável premonição. Passou o ‘domingo brasileiro depois da chuvarada’ e ele partiu”.

Outro integrante do MPB4, Aquiles Reis, falou com o apresentador Colibri Vitta, na Rádio Brasil Atual – que lembrou a partida . “Por que a pressa? Você era necessário para ‘Passar o Brasil a Sujo’ (copiei o título de um de seu livros). Seus textos, sem frescuras ou salamaleques, iam fundo na carne dos indignos (…) Chorei por nós que sentiremos a sua falta, poeta.

Colibri recebeu também depoimento comovente de Ivan Lins, de Lisboa, concluído às lágrimas. “Lá se foi um imenso brasileiro, um herói da nossa cultura”, definiu Ivan.

“Aldir foi um gênio e um homem bom. Ele conseguia falar do mundo sem se afastar um quarteirão da casa dele”, resume Guinga, também parceiro. Ouça nos áudios as mensagens enviadas a Colibri também pelos arranjadores e pianistas Gilson Peranzzetta e André Mehmari, o músico Leandro Braga e a cantora Lucinha Lins.

A obra de Aldir Blanc é celebrada ao longo de toda a programação musical da Rádio Brasil Atual desta segunda-feira (4). Colibri lembrou que Aldir se foi no mesmo 4 de maio que Noel Rosa (1910-1937) – o poeta da Vila Isabel.

 

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