Não faz sentido contar as doses da vacina

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A contagem de doses confunde o público e alimenta teorias negacionistas

Por Pedro Hallal, compartilhado de Construir Resistência




Em breve, o Brasil iniciará mais uma de suas campanhas anuais de vacinação contra a gripe. Como nos anos anteriores, milhões de brasileiros visitarão o Sistema Único de Saúde para protegerem a si próprios e aos outros. A cultura vacinal é um dos patrimônios do nosso país.

Mas uma coisa é importante de ser destacada:

Nenhum brasileiro dirá: “tomei a minha vigésima terceira dose da vacina contra a gripe”. Ao contrário, ele dirá: “tomei a minha vacina contra a gripe de 2022”.

É exatamente essa lógica que precisamos adotar na vacinação contra a Covid-19. A contagem de doses, atualmente em uso, confunde o público e alimenta teorias negacionistas. Quem nunca recebeu em grupo de WhatsApp aquela imagem negacionista questionando a efetividade das vacinas em função de algumas pessoas já estarem tomando a quarta dose?

A verdade é *que as vacinas contra Covid-19 são um caso de sucesso estrondoso*, mas precisamos aprimorar a comunicação.

*Sucesso estrondoso* porque foram criadas em menos de um ano, um prazo recorde na história da saúde pública.

*Sucesso estrondoso* porque, mesmo criadas em tempo recorde, apresentam indicadores de segurança e eficácia dos melhores já vistos na história da saúde pública.

*Sucesso estrondoso* porque, antes da chegada da variante ômicron, eram raros os casos de infecção entre pessoas vacinadas.

*Sucesso estrondoso* porque, mesmo depois da chegada da variante ômicron, os vacinados apresentam risco de mortalidade, hospitalização e caso grave muitas vezes menor do que os não vacinados.

*Sucesso estrondoso* porque, em nível global, a vacina contra a Covid-19 já salvou milhões de vidas.

Apesar de todo o sucesso da vacina contra a Covid-19, obviamente que a comunicação continua sendo importante. A cruzada negacionista contra a vacina, liderada no Brasil pelo próprio presidente, busca, diariamente, notícias para colocar em dúvida a eficácia e a segurança das vacinas. Alguns dos negacionistas mais malucos (incrivelmente alguns deles em cargos importantes) parecem torcer até para a morte de crianças vacinadas, para “comprovar” suas teorias da conspiração de que a vacina não é segura.

A verdade é que qualquer pai e mãe, que realmente pense na saúde dos seus filhos, os vacinam. Isso porque o risco de um caso grave e até óbito por Covid-19 é infinitamente superior ao risco de uma complicação decorrente da vacina. O pai e a mãe que decidem proibir a vacinação de seus filhos, na verdade, estão tomando uma decisão política, às custas da saúde das crianças.

Mas para que toda a engrenagem funcione e a vacinação continue sendo um sucesso no Brasil, precisamos melhorar a nossa comunicação. E nesse momento *a prioridade é parar de contar as doses da vacina, e aceitar que, assim como várias outras vacinas, a da Covid-19 será tomada de tempos em tempos, quando necessário.*

Ainda não há uma resposta definitiva se a vacina contra a Covid-19 será tomada uma ou duas vezes por ano, ou até em intervalos maiores. Isso depende da duração da imunidade conferida pela vacina e do quanto o vírus está circulando. Os melhores estudos indicam que a imunidade conferida pela vacina, num cenário de ampla circulação do vírus, é de cerca de seis meses.

Além disso, nesse momento, em que ainda estamos vivendo a pandemia, é provável que tenhamos que tomar mais doses do que num futuro em que a circulação do vírus será mais restrita. Isso é normal na saúde pública. O que não é normal é ficar contando doses de vacina e alimentando teorias negacionistas de que as múltiplas doses comprovam que a vacina não funciona.

Precisamos que a comunicação sobre a vacina seja tão efetiva quanto a própria vacina.

Pedro Hallal é epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

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