Sequestro de ônibus na rodoviária mobiliza atenção da cidade, provocando pânico, medo e, depois, alívio
Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora
‘’Você tá por onde?’’, apitava o visor do Whatsapp na tela aberta do computador. Era o produtor Diego Henrique, colega no UOL, à procura do meu paradeiro; enquanto assistia eu, na mesma tela, as imagens que davam a dimensão de uma tarde no Rio de Janeiro.
No centro da cidade, um sequestro havia irrompido no início da tarde diretamente das dependências da Rodoviária do Rio, a poucos metros de onde eu estava. Não por sorte, mas pelo trabalho. Da interrogação, o convite: ‘’você não conseguiria entrar com a gente ao vivo?’’. E pronto. Bastou isso para as pernas tremerem, o corpo bambear e me ver de frente ao abismo que é estar submerso numa cobertura jornalística, sem lenço, mas com documento. E, além disso, um não sei o quê de informações na cabeça e um celular conectado às mãos para chamar de meu.
Ao fim de um expediente agitado, topar o desafio que não é usual no meu dia a dia. Afastado de uma carreira feita somente na redação, o frenesi passa longe da vida que escolhi e aconteceu. Mas que ressoa, em todos os momentos, quando algo acontece e reflito sobre como reagiria se nele estivesse.
Um sem fim de incertezas e pernas-para-que-te-quero – afinal, o perímetro na região já estava fechado. ‘’Essa cidade vai dar um nó’’, pensei enquanto aumentava a passada das pernas. E me senti vencedor por atravessar em meio aos carros, motos, caminhões e bloqueios, sem cair.
Dali pra frente, estar ‘’nu’’, numa posição desconfortável. Não igual a dos 16 reféns que foram tomados por Paulo Sérgio Lima, de 29 anos, dentro do ônibus que tinha como destino, às 14h35, Juiz de Fora (MG). E com muito menos dissabor que os dois passageiros com a saúde afetada. Um deles, levemente ferido. O outro, ainda naquele momento, em direção ao Hospital Municipal Souza Aguiar.
Na pintura que se fez viva em minha retina, cruzar com centenas de pessoas em pé ou sentadas ao chão, em sensação de perda. Desamparo. Sem quem os achasse e dissesse um simples e mínimo ‘’vai ficar tudo bem’’. Um ti-ti-ti atravessado pelas sirenes das viaturas, ambulâncias e buzinas a romper os tímpanos. Pessoas comuns, como eu e você, prontas a tomarem outros cenários. O problema ali era um só: quando?
Acumulavam-se perguntas feitas pelos profissionais de imprensa, perguntas também sobre a situação que realmente vivia-se lá dentro do ônibus. No coração, um rés de esperança ‘’que tudo transcorra bem’’. Mas não era impossível vir à mente as imagens que também marcaram o país com o assalto ao ônibus 174, fidelizando cenas cinematográficas em diversas gerações.
Com o passar das horas, o aumento do desespero e da impotência. Não só minha, claro, em relatar o que via na minha frente; mas também sobre qual desfecho teria cada uma daquelas histórias, que também podem ser chamadas de pessoas, livros-abertos que se cruzam diariamente. Isso tudo azeitado sob o barulho do Globocop, o helicóptero da TV. Até que veio o pedido de que ele saísse de cena, para, enfim, a negociação transcorrer sem que de dentro do veículo da ocasião, se soubesse quais estratégias estavam sendo definidas. Mais que gente, o sequestrador tinha um celular em seu poder, em seu punho, além da pistola que efetuou os disparos.
Num respiro, pensar sobre o que fazer enquanto comunicador. Mostra? Não mostra? Deixa de cobrir? E ver passar na cabeça as imagens aterrorizantes da caçada a civis armados no Alemão, com ampla transmissão também pela Globo, e demarcar o episódio como um erro gravíssimo em momentos delicados.
Parece que foi contar o estalar de dedos para que a situação no ônibus fosse contornada. De dentro, a negociação tinha sido feita e o sequestrador, capturado. De fora, gritos e uma resma de aplausos, todos na expectativa da definição. ‘’Essa porta vai abrir quando de novo? Preciso ir embora’’, ouvi de uma senhora.
Sair dali era o que todos – e também Paulo, o sequestrador – queriam fazer. Estava fugindo da facção Comando Vermelho (CV), que detém poder sobre diversas favelas do Rio. Uma delas, a Rocinha, onde nasci. Onde Paulo nasceu e de onde partiu, na tentativa de ver-se livre do medo da morte ‘”no morro”,
Das vítimas, o passageiro Bruno Lima de Costa Soares, atingido com três tiros, um no tórax e outro no abdômen, em estado grave até o momento. No geral, milhares de pessoas que só conseguiram pensar o que seria de suas próprias trajetórias logo após às 19h30.
Na imagem panorâmica, o rosa de um anoitecer caindo na cabeça, com uma meia-lua coroando uma tarde de pânico, medo e alívio. Onde mais uma vez vi escancarado, pessoal e profissionalmente falando, as questões que mexem dentro da gente. Entendendo também porque a falta de segurança pública está na prioridade do brasileiro.
É. Não foi uma tarde qualquer.