Crescer na dureza de enfrentar a violência e ser o alvo, independente do que se pudesse ter como desculpa. O motivo? A pele. Uma lógica doida pra caralho que começava já em casa. “Você é preto, mora na favela, mas não se comporte como favelado. Você sempre pod
Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora
e ser vigiado na rua” – era o conselho de minha mãe, que ainda persiste e insiste na cabeça. Razão para tal lição? Nem eu sei. Mas sei que não sairia gratuitamente da boca da coroa algo que não fizesse sentido, na busca pela proteção.
E daí que no meio do caminho umas fitas doidas que nem mesmo com a idade e o amadurecimento consegui mudar; afinal, do que adianta quando a realidade impõe a condição tida como certa para pessoas da tribo que você pertence?
A experiência vai tomando outros tons, quando se valida não só em relatos partilhados ainda na infância, na escola, no papo com os moleques no beco; mas também no que era visto em operações no morro ou mesmo nas notícias de jornal. É justamente através da TV, ver, em números, a comprovação quase que exata do que é a noção de que “se é preto, apaga, mata, deixa morrer”.
Nas porcentagens, pessoas, vitimadas por um sistema que ao mesmo tempo que atira, é quem faz parte dele.
Como os números divulgados pela Rede de Observatórios da Segurança sobre a cor da letalidade policial analisada em sete estados.
No boletim “Pele alvo: a cor que a polícia apaga”, dados que só indicam que a polícia é o núcleo duro do racismo no Brasil, onde ao menos cinco pessoas negras são mortas por policiais todos os dias. Talvez aqui mora o lugar da fala de minha mãe.
Para Pablo Nunes, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, a divulgação da pesquisa surge, mais uma vez, para alertar sobre os caminhos construídos até aqui no setor da segurança. “É mais uma forma da gente pontuar que o processo de construção racista das nossas polícias é algo fundamentalmente ligado à constituição das instituições e da sociedade como um todo”.
A pedra cantada por Pablo é direta: nem mesmo com as mobilizações da sociedade civil frente a barbárie que acontece diariamente, além da repercussão dos casos, faz com que haja mudanças em relação ao sistema. “A permanência desses números é chocante e faz com que a gente coloque, de maneira cada vez mais clara e incisiva, que o Ministério Público, a gestão da polícias, os governos estaduais, estejam no centro desse debate. Queremos saber, afinal, o que estão fazendo e o que vão fazer”.
O negócio não poderia ser pior se visto e analisado pela ótica fluminense, que vê se multiplicar na agenda e modus operandi em outros estados. É o Rio quem surge como o estado que mais mata em números absolutos, onde a Polícia matou uma pessoa como eu a cada nove horas.
“A polícia do Rio realmente faz escola e a população confirmou essa política pública de segurança com o voto em Cláudio Castro através das urnas. Infelizmente parece que o Estado vai enfrentar problemas e provavelmente, vai assistir mais chacinas nos próximos quatro anos”.
Para esse e os próximos dias da Consciência Negra, estando nesse estado-cidade que é a vanguarda do Brasil, só resta rezar e pedir: não me apague, Polícia.