Quase 50 após o lançamento do livro “Os limites do crescimento”, ameaças ao planeta aumentaram e negacionismo segue sendo a reação mais comum
Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora
Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep e Jonah Hill em Don’t Look Up (“Não olhe para cima”). Foto Divulgação
O filme “Não olhe para cima” (“Don’t look up”) lançado na plataforma de streaming da Netflix, no dia 24 de dezembro de 2021, alcançou o topo da lista dos mais assistidos em dezenas de países. Além de gerar um vigoroso debate nas redes sociais. O filme, dirigido por Adam McKay, reúne um elenco estelar e tem como tema central o colapso ambiental e civilizacional do planeta. De início, uma estudante de doutorado (Jennifer Lawrence) descobre um cometa que segue uma trajetória de impacto com a Terra, enquanto o seu professor (Leonardo DiCaprio) calcula em 6 meses e 14 dias o tempo para ocorrer um apocalipse terrestre. Em seguida, os dois cientistas iniciam uma epopeia para conscientizar e mobilizar a sociedade e as autoridades governamentais na busca de soluções para evitar o perigo iminente.
Mas, lamentavelmente, não há consenso sobre o que fazer. Os políticos estão mais preocupados com seus índices de popularidade e as próximas contendas eleitorais. Alguns setores da sociedade simplesmente negam e ignoram o perigo à frente. Outros formadores de opinião tentam tirar vantagens particulares de curto prazo tentando maximizar o lucro capitalizado com a novidade. Já os líderes das grandes empresas de tecnologia buscam soluções elitistas em busca de uma fuga utópica da Terra acreditando na criogenia, na imortalidade e na conquista do espaço sideral (enquanto o resto da população mundial está condenada à morte com a destruição do planeta).
O filme pode ser visto como uma sátira sobre a forma como a humanidade lida com os problemas do aquecimento global e da 6ª extinção em massa das espécies. É uma crítica ácida ao negacionismo, uma paródia sobre o mito do desenvolvimento sustentável, além de ironizar a resistência das instituições e das pessoas que insistem em manter um estilo insustentável de vida.
De certa forma, os cientistas de “Não olhe para cima” lembram uma outra dupla de pesquisadores que fizeram um alerta, em 1972, sobre uma possível catástrofe ambiental e civilizacional. O casal Donella e Dennis Meadows, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), lideraram a produção do livro “Os limites do crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”, publicado há 50 anos. Os autores identificaram cinco “asteroides” que poderiam levar ao “fim do mundo”: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o livro indica as consequências que poderiam acontecer num horizonte de cem anos.
Os autores do livro “Os limites do crescimento” sintetizam suas conclusões em um único parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).
No filme “Não olhe para cima”, a humanidade tem apenas 6 meses para evitar o colapso sistêmico global, enquanto no livro “Os limites do crescimento” o prazo é mais elástico, mas não ultrapassaria muito o ano de 2072. A coincidência entre o filme e o livro é que a maior parte da população e das instituições globais e nacionais negam ou ignoram os desafios colocados pelo crescimento meteórico das ameaças ambientais.
Um dos poucos autores brasileiros que deram crédito ao relatório do Clube de Roma foi Celso Furtado que, no livro “O mito do desenvolvimento econômico”, de 1974, indica a impossibilidade de se generalizar o padrão de produção e consumo hegemônico do mundo, pois o crescimento ilimitado da economia seria inviável em decorrência dos limites ecológicos do Planeta. Furtado escreveu:
“O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida, é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana. (…) a ideia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. (…) Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito” (p. 75).
Estas palavras foram publicadas em 1974, ano em que a população mundial atingiu 4 bilhões de habitantes (metade dos quase 8 bilhões atuais). A produção de bens e serviços era cerca de um quinto do que será em 2022. Para Celso Furtado, a universalização do estilo consumista de desenvolvimento seria um objetivo inalcançável para o conjunto da humanidade, já que a exploração dos ecossistemas não seria capaz de preencher toda a demanda internacional.
Ou seja, a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e o déficit ambiental só aumenta ano após ano. Desta forma, os problemas ecológicos se agravam e o custo humano e financeiro tem crescido de forma alarmante. Mas o pensamento hegemônico insiste em zombar da perspectiva do decrescimento demoeconômico, como escrevi no artigo “Crescimento demoeconômico e a emergência climática”, aqui no #Colabora, em 07/12/2019.
Lastimavelmente, a maioria das pessoas do mundo continua negando os limites ecológicos ao crescimento demoeconômico e continua acreditando que a tecnologia pode resolver todos os problemas humanos e ambientais. Porém, a cada dia, está ficando claro que o autoengano só agrava os problemas globais e tem contribuído para procrastinar uma possível solução efetiva capaz de evitar o colapso ambiental e civilizacional. O perigo não vem de cima, pois as forças de destruição estão entre nós e ao nosso redor.