Por Marco Weissheimer, compartilhado de Sul 21 –
Moradores de ocupações de Passo Fundo estão fazendo um apelo às autoridades municipais e estaduais para que seja resolvido o problema da falta de acesso à água. Problema crônico nas periferias de muitas cidades brasileiras, a falta de água assumiu uma dimensão ainda mais grave a partir do avanço da pandemia do novo coronavírus.
Passo Fundo, cidade com cerca de 200 mil habitantes, é o segundo município do Estado com maior número de casos confirmados e óbitos por covid-19. Segundo o levantamento da Secretaria Estadual da Saúde, no dia 23 de abril, a cidade já tinha 73 casos confirmados e seis mortes.
Sem acesso regular e continuado à água potável, as famílias que moram nestas comunidades não conseguem seguir recomendações básicas de higiene para diminuir os riscos de contágio.
“Hoje, há mais de 50 ocupações em Passo Fundo, a maioria delas com problema de infraestrutura básica, como acesso à água. Agora, com o vírus se alastrando em Passo Fundo, tem um problema adicional. Há muitos moradores dessas ocupações que trabalham no frigorífico da JBS (que está sendo apontado como um dos principais focos de contágio na cidade). Segundo informações do Ministério Público do Trabalho, 19 trabalhadores de um frigorífico testaram positivo para a covid-19, com outros 15 casos suspeitos. Dois familiares de funcionários desse frigorífico estão entre os óbitos já confirmados na região. Desde que essa informação veio a público, moradores das ocupações começaram a trocar mensagens preocupadas pelo Whatsapp, pois muitos conhecem alguém que trabalha no frigorífico.
“A situação é muito preocupante”, diz Moisés Forgearine, morador da Ocupação Bela Vista, onde vivem 150 famílias. “Aqui nas ocupações Bela Vista e Vista Alegre, o bombeamento da água não tem pressão suficiente para todas as famílias. A maior parte fica sem água e isso provoca inclusive confronto entre vizinhos. Em função do fraco bombeamento da água, às vezes uma casa tem que desligar as torneiras para outra poder usar”, relata Moisés. Os moradores querem que a Corsan coloque um relógio para cada morador ou instale mais uma bica pública em cada ocupação.
O tema da água virou objeto de uma disputa judicial envolvendo moradores e a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) que aponta a existência de muitas ligações clandestinas na área como um obstáculo. Segundo a companhia, nas ocupações onde há muitas ligações clandestinas, seus técnicos têm dificuldade para entrar mesmo quando é para fazer algum reparo, precisando pedir ajuda para a Brigada Militar. Ainda segundo a empresa, a Ocupação Bela Vista tem duas bicas públicas e a Vista Alegre uma. Os moradores pediram na Justiça a instalação de mais um relógio na Bela Vista, mas tiveram o pedido negado pela Justiça.
Julio Cesar Gonçalves, da coordenação do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), contesta essa versão da Corsan e diz que ela é uma tentativa de criminalizar o Movimento dentro do processo. “A água é um bem fundamental para a vida, ainda mais neste período de coronavírus. O que as pessoas estão querendo é apenas o acesso à água. Também solicitamos à Prefeitura para que ligasse a água. Todos nós do MNLM, juntamente com a Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos, estamos lutando para que se coloque água para atender essas famílias”, destaca Julio Cesar, que acusa a Corsan, a Prefeitura e o Poder Judiciário de agir de uma forma truculenta e de não ter sensibilidade no enfrentamento desse problema. Segundo ele, a Corsan e a Prefeitura estão fazendo corpo mole e agora pretendem se basear numa “decisão judicial esdrúxula tomada por alguém que não conhece a realidade vivida por essas famílias”.
Moisés mostra uma das tantas mensagens de áudio que tem recebido nos últimos dias. Nela, uma moradora de sua ocupação expressa a angústia que está vivendo pela falta de água: “Meu deus, eu não sei mais o que vou fazer pessoal. Desde a hora que levantei de manhã, tô correndo atrás da água. Entrei agora pra dentro de casa. Não consigo fazer uma comida, não consigo fazer as coisas. Não tem nem uma gota d’água nas torneiras. Nada, nada, nada mesmo. Há três dias vinha só de noite, o que dava pra encher as minhas vasilhas e às vezes salvava o dia. Agora, nem de noite veio. Tenho vontade de chorar. Eu nunca senti um desespero como esse que a gente está vivendo. Não ter água nem pra tomar. Estou ficando louca, não aguento mais”.
Maria Elizabete Brigoni mora em ocupação há cinco anos e entrou nesta sexta-feira no quarto dia sem água. “Tenho que sair fora da ocupação para buscar uns litros d’água. A luta é grande. É louça suja, casa suja, não conseguimos fazer a higiene. Faz quatro dias hoje que eu não tomo um banho decente. A gente não pode entrar dentro de casa e lavar as mãos porque não tem água. Com essa pandemia, a gente está ficando cada vez mais preocupado, a cada dia que passa. Não tem água pra fazer higiene, nem pra tomar, nem pra dar pros nossos bichos, pra nada. Nossa situação aqui sempre foi crítica e agora com a pandemia está sendo mais difícil ainda porque muitas pessoas estão em casa de quarentena e acabam tendo que consumir mais água. Essas bicas que a gente têm aqui não estão suprindo a necessidade das famílias. Estamos precisando de socorro”.
A reportagem do Sul21 entrou em contato com a Prefeitura de Passo Fundo e aguarda retorno sobre os encaminhamentos do Executivo em relação à demanda dos moradores das ocupações.