Fala grotesca de bolsonarista é só mais um caso de agressões diárias sofridas por nós, mulheres: físicas, psicológicas, patrimoniais; isso sem falar no controle obsessivo sobre nossos corpos
POR IARA VIDAL, COMPARTILHADO DA REVISTA FÓRUM
O sincericídio do bolsonarista amigão do Dudu Bananinha, Evandro Guedes, ao ensinar alunos a violar cadáveres femininos, traz para o debate público uma chaga estrutural da nossa sociedade: a misoginia do patriarcado capitalista.
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, classifica esse ódio às mulheres como “a raiz de todas essas violências e desigualdades”. O Governo Lula, inclusive, lançou em outubro a campanha Brasil sem Misoginia.
Desde o dia 20 de novembro até 10 de dezembro, a ONU Brasil promove a campanha “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas”, uma iniciativa global do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
No Brasil, o principal objetivo da campanha neste ano é mobilizar parcerias para investir em prevenção para erradicar a violência contra mulheres e meninas e garantir que cada mulher e cada menina possa viver uma vida livre de violência.
Misoginia está na raiz do nosso modo de vida
O papel do governo, de organismos internacionais, sociedade civil, movimentos populares, academia etc. nesta frente é essencial para a luta feminista.
Mas não basta. É o braço institucional do capitalismo ou do socialismo, o Estado, os poderes, o mercado, a igreja e mais deus@céu – em tudo que é canto deste planeta – que decide a autonomia sobre nossos corpos femininos.
Eu e todas as mulheres com útero, por exemplo, somos tolhidas da liberdade de escolher o que fazer, ou não, com nossos corpos.
Se homens fossem capazes de engravidar, tenho convicção (não provas) de que o aborto seria disponível em cabines públicas, 24 horas por dia, sete dias por semana. Com chuva ou com sol.
São nossos corpos femininos que são temas de debates públicos despudorados: gorda, magra, feia, bonita, jeito de vestir, tatuagem, estria, celulite, peitos, bunda…
O tal do amigão do Dudu Bananinha, na coleção de comentários misóginos absurdos, também expôs a própria filha. Conta até, aos risos, que puxa o cabelo e bate na bunda da moça. E ainda naturaliza a exposição em redes sociais com um selinho na boca da jovem.
São os corpos femininos que estão no centro de uma epidemia digital em escolas mundo afora em que nudes falsos são criados por meio de inteligência artificial (IA).
A violência contra a mulher caiu na boca e nos dedos do povão. O assunto mobilizou a opinião pública com dois casos de violências contra mulheres recentes: o de Ana Hickmann e o de Naiara Azevedo.
Nas capas de revistas, sites, jornais e até uma entrevista no Fantástico deram um gás no debate. O tema estrutural ganha contornos de disputa de futebol, alimenta tretas entre esquerda e bolsonaristas, ganha contornos político-partidários.
A violência contra a mulher não é exclusividade de homens de extrema direita. Mas é revelador constatar que os episódios recentes mais aterrorizantes partem justamente dessa facção de fanáticos – com mulheres inflando os discursos de ódio contra as mulheres.
Nem todo bolsonarista, mas sempre um bolsonarista. A orientação política dos ex-maridos de Ana Hickmann e de Naiara Azevedo provam meu ponto de vista.
Autonomia sobre nossos corpos
Na condição de Outro da existência humana, nós, mulheres, precisamos da luta, do feminismo, para alcançar a equidade de gênero. Todo santo dia a gente precisa mostrar que não somos mais nem menos do que os homens.
Exigimos autonomia e respeito sobre nossos corpos, vivos ou mortos.
Enquanto estamos vivas, temos vivenciado uma epidemia de ódio às mulheres. O Brasil enfrenta um crescimento preocupante na violência de gênero, como mostrou pesquisa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada em novembro passado.
O estudo Violência contra meninas e mulheres no 1º semestre de 2023 mostra que nos primeiros seis meses deste ano, o país registrou 722 casos de feminicídio, um aumento de 2,6% em comparação com o mesmo período do ano anterior, que teve 704 vítimas.
Nós mulheres somos sempre o Outro. O padrão é ser homem. Então não causa surpresa que depois que a tampa do bueiro da extrema direita brasileira foi aberta, todo o ódio às mulheres ganhou “lugar de fala”.
Em nome de uma distorcida noção de liberdade de expressão está tudo bem usar o exemplo de cadáver de uma mulher para ser vilipendiado em uma aula sobre direito penal.
Qual de nós não pára em frente ao espelho para avaliar se nossas roupas estão adequadas e não emitem sinais de anuência a assédio?
Quantas de nós já fizeram procedimentos estéticos para agradar parceiros?
Há uma presunção misógina de comentar ao bel prazer sobre nossos corpos.
Há alguns dias, ao apresentar o Jornal da Fórum, um comentarista do chat se sentiu confortável de julgar que as minhas tatuagens são prova da minha falta de inteligência.