Por Joaquim de Carvalho, publicado em DCM –
O antigo proprietário do sítio de Atibaia que a Lava Jato atribui a Lula contou ao DCM como vendeu a propriedade, em 2010, para Fernando Bittar e Jonas Suassuna.
“Eu fui almoçar no Clube da Montanha com o Vanderlei (Vanderlei Steves Mansanares, corretor de imóveis) e ele me disse que havia duas pessoas querendo ver o sítio. Eu disse que tudo bem, eles podiam visitar. Imaginava que quisessem ver o que havia lá, para fazer igual, em outra propriedade”, afirmou Adalton Emílio Santarelli.
Pelo que se recorda, era o segundo semestre de 2010 — ela não sabe precisar a data exata. “Eles foram ver a propriedade e, depois de alguns dias, fizeram uma proposta de compra. Eu achei que era um bom negócio, e vendi”, conta.
Simples assim.
O senhor vendeu para o Lula?
“Não, nunca me disseram que o Lula estava no negócio, nunca vi o Lula. Só vi isso (de que ele poderia ser o dono oculto), muitos anos depois na imprensa. Não sei se é verdade”, responde.
Lula como proprietário do sítio nasceu de um boato que circulou pela cidade depois que a ex-primeira-dama Marisa Letícia foi vista algumas vezes na padaria, com seguranças, para comprar pão, mortadela Ceratti e tomar café em copo descartável.
Ela não entrava na padaria, permanecia no carro, mas, quando o segurança voltava, Marisa descia para tomar café e fumar um cigarro. Foi vista, e assim começaram os comentários de que Lula tinha um sítio ali perto.
Mas, no mundo das coisas concretas, a realidade era muito diferente do enredo que foi parar nas páginas da imprensa.
O jornal O Estado de S. Paulo, para alimentar a versão de que Lula era o proprietário oculto, publicou reportagem em que afirmava que o sinal dado para a compra do sítio foi feito em dinheiro vivo.
“Não, de jeito nenhum”, conta Adalton Santarelli, dono de um comércio na rua Direita, fundado em 1979, a Santarelli, que tem um logotipo em que as letras L são destacadas em duas cores da bandeira da Itália, o verde e o vermelho.
Tradição e respeito. Este é o logo da empresa, que se apresenta como responsável pelo que “há de melhor e mais atual nos ramos de relojoaria e joalheria em todo o território nacional.”
A empresa de Adalton é representante exclusiva da Bergeon no Brasil e ainda representa as marcas Gut, Antílope e Vallorbe.
“Eu recebi em cheques administrativos, foi tudo cheque, e eu entreguei cópia do microfilme para a Polícia Federal, está tudo esclarecido”, destaca.
A reportagem do Estadão, de fevereiro de 2016 (um mês antes da condução coercitiva de Lula), cravou que o pagamento havia sido feito em espécie a partir da leitura equivocada de uma cláusula da escritura de compra e venda.
Nesse documento, Adalton declara que já tinha recebido como sinal 100 mil reais, em “boa e corrente moeda nacional”. A expressão é padrão em documentos desse tipo, para confirmar que o sinal já tinha sido quitado, através da compensação de cheque.
O Estadão também tratou como indício de crime o fato do contrato ter sido feito no escritório do advogado Roberto Teixeira.
Ele é apresentado como compadre de Lula, o que é verdade, mas o jornal deixou de informar que Roberto Teixeira, que já foi presidente da Subseção da OAB em São Bernardo do Campo, também é advogado, e advogado há bastante tempo. Sua especialidade é o direito imobiliário.
Fernando Bittar e Jonas Suassuna, os compradores do sítio, já eram clientes do escritório também havia bastante tempo.
Na verdade, além de clientes, eram amigos.
E é bastante comum que amigos também façam negócios, e recorram uns aos outros em caso de necessidade profissional.
Quem nunca fez isso? Que mal há? Onde está o crime?
Adalton conta que não queria vender o sítio quando foi procurado, embora já não frequentasse a propriedade tanto quanto antes, quando comprou a propriedade do senhor Gastão, em 2005.
Os filhos haviam crescido e já não passavam todos os fins de semana com ele. No sítio, era comum ir apenas com a mulher, Neusa.
Por frequentar o sítio menos do que gostaria, não resistiu à oferta, que ficou no preço de mercado: R$ 1,5 milhão. A perícia apontou uma diferença de R$ 75 mil entre o preço de compra e o preço avaliado por ela.
Essa diferença, de 5%, insignificante em negócio dessa monta, também foi tratada como suspeita.
“Por que R$ 75 mil levaram a PF a desconfiar da compra do sítio de Atibaia” foi o título da reportagem do UOL, em que os peritos afirmam que, por estar o mercado imobiliário num bom momento e pelo fato de que Adalton não tinha colocado o sítio à venda, o preço deveria ter sido maior.
“Vende pelo preço que valia”, explica Adalton.
O site de extrema-direita O Antagonista tratou como suspeita a compra que Adalton e a mulher fizeram de um apartamento no condomínio em que o doleiro Alberto Youssef mora, na Vila Nova Conceição.
Quando pergunto a ele sobre essa notícia, Adalton dá uma longa gargalhada.
“Só rindo mesmo. Eu tenho esse apartamento faz tempo, e só soube que esse Youssef tinha um apartamento lá depois que vieram me contar que tinha saído uma coisa dessas na internet. Eu ri muito”, declara.
Adalton prestou depoimento à Polícia Federal e nunca mais foi chamado. O que ele viveu não ajuda o Ministério Público Federal a alimentar o power point.
Foi negócio transparente, feito à luz do dia. Um coisa simples, fácil de contar, fácil de entender. Mas Deltan Dallagnol, coordenador da Lava jato, parece ter predileção por situações nebulosas, que ele poderia esclarecer, histórias contadas pela metade.
A confusão ajuda a alimentar o público com a farsa de que Lula e o PT conduziram o maior esquema de corrupção do sistema solar.
Se fosse assim, Lula seria um corrupto muito vagabundo: o chefe da organização criminosa que teve como quinhão do saque o direito de frequentar um sítio nos fins de semanas e feriados, em que a mulher podia aproveitar para ir à padaria e comprar pão com mortadela Ceratti, além de tomar café em copo descartável, na calçada.
Uma vida nababesca.