Nas fronteiras o ódio é ancestral contra os indígenas

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Por Kátia Brasil, compartilhado de Amazônia Real

Nas fronteiras o ódio é ancestral contra os indígenas

Jair Ardela Michhue, conhecido como “Javier”, foi um dos criminosos do narcotráfico mais violentos que atuou na tríplice fronteira do Brasil, Colômbia e Peru. Ele passou quatro anos preso no Presídio Federal de Segurança Máxima, em Campo Grande (MS). “Javier”, que respondia a 35 anos de reclusão por matar dois agentes federais, suicidou-se dentro da cela solitária, em 2015. 




De estatura baixa e magro, “Javier” foi acusado de matar ou mandar matar mais de 10 pessoas, entre traficantes e inocentes. Em 2010, foi o mandante da morte dos policiais federais Mauro Lobo e Leonardo Yamaguti, por isso cumpria a condenação no presídio do Mato Grosso do Sul. O caso aconteceu no rio Solimões, próximo ao município de Anamã (a 129 quilômetros a oeste de Manaus).

O narcotraficante foi preso em 2011 na região do Peru, entre Islândia e Atalaia do Norte, região onde se concentra a maior operação de buscas já realizada na Amazônia para encontrar o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, desaparecidos há 10 dias completados nesta terça-feira (14).

“Javier” saiu de cena, mas sua família continua mandando na fronteira. Em 30 de maio deste ano, a mulher dele, Nataly Jean Souza da Silva, foi presa pela Polícia Federal, em Tabatinga, cidade vizinha de Atalaia do Norte, ambas na região do Alto Solimões. Foragida desde 2009 por tráfico internacional de drogas, ela estava com mandado de prisão expedido e fazia parte da lista da difusão vermelha da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol).

Com a prisão de Nataly, os irmãos de “Javier” assumiram o controle de drogas na fronteira, que financia também carregamentos de pesca e caça ilegal da Terra Indígena Vale do Javari, lugar onde Bruno Pereira atua em operações de fiscalização de crimes ambientais no território onde há 6.300 indígenas, incluisive de recente contato e isolados.

“Normalmente ele matava a facadas. O Javier cortava as mãos, os pés, abria o bucho para não flutuar e os peixes comerem mais rápido. Normalmente é assim que eles fazem na fronteira, onde tem muito jacaré, muita piracatinga (peixe liso chamado também de urubu d`água)”, diz uma fonte da Polícia Federal, que participou de ações de combate ao tráfico na fronteira tríplice fronteira.

“Nessa fronteira tem de tudo, paramilitares, cartel mexicano, é terra de ninguém”, afirma.

O cartel mexicano tem ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), que avança sobre garimpos na Amazônia, principalmente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Lá os traficantes estão financiando a busca pelo ouro e pela cassiterita (estanho) “descendo pelo rio Trombetas”, diz um minerador falando sobre a rota de fuga.

Naquele parte do Brasil, o narcotráfico aproveita a fragilidade da fronteira com a Venezuela. “Só venezuelano dentro do garimpo tem mais de 6 mil. Quer que faça o quê?”.

Este mês, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 2,5 toneladas de cassiterita na BR 174, rodovia que liga Boa Vista a Manaus. “A tonelada de cassiterita era (em 1990) 1.600 dólares, hoje é 32 mil dólares. É uma nova febre”.

Na região do Javari, em Atalaia do Norte, assim como em Roraima, a população é contra a política indigenista, é racista e preconceituosa. “É um ódio ancestral, tem os massacres contra os não-índios e os massacres contra os indígenas isolados”, afirma a fonte da PF.

Entre 2018 e 2019, a  Base de Proteção Etnoambiental (Bape) do rio Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai) foi atacada a tiros dez vezes na Terra Indígena Vale do Javari. Aliado a essa tensão, o governo de Jair Bolsonaro (PL) desmontou a política ambiental, elevando o potencial de vulnerabilidade nas fronteiras.  

“Chamar atenção para um aumento de fiscalização na região de fronteiras, isso provoca raiva. Tem as desavenças anteriores que já tinham com o Bruno Pereira por conta das apreensões que ele fazia. Arrisco num crime potencializado pela questão do narcotráfico. Esses caras tem a certeza da impunidade”.

O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips desapareceram no dia 5 de junho no trajeto entre a comunidades São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte. As investigações começaram depois de 24 horas do sumiço deles, o que comprova a ausência do Estado Brasileiro na região.  


Na imagens, a equipe de vigilância indígena EVU faz buscas entre às comunidades São Gabriel e São Rafael (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

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