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Tenente fala em ‘combater o pancadão’ de arma na mão; especialista aponta ‘subcultura policial’ que se sobrepõe a qualquer regra
Na foto, um PM aponta uma arma na direção da câmera. Ele está com um colega ao lado dentro da viatura. Sobre a foto, a legenda: “Você apoia a PM combater o pancadão?”. E na legenda do Instagram, o policial segue: “se sim, clique duas vezes e deixe seu comentário”. E hashtags como “Bolsonaro Presidente”. O perfil é do 1º tenente Bruno Evilásio Mattos, com mais de 80 mil seguidores e que também é youtuber. Mattos está na PM há 16 anos e tem um salário de R$ 10 mil. Além dos vídeos em seu canal, Mattos também ministra palestras para aspirantes a policiais, como no CPP (Cursos Para Polícia) e QG Concursos.
Ele é um dentre muitos perfis e páginas nas redes sociais que, desde o massacre de Paraisópolis, no domingo, que deixou 9 pessoas mortas, tem comemorado a ação da polícia e pedido mais. Algumas tem um tom diretamente agressivo, outras fazem piada com as mortes e com a forma repressiva com que o governo do Estado tem atuado em bailes funk.
Em discurso na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado capitão Conte Lopes (Progressistas), ex-PM da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da Polícia Militar paulista, usou o assassinato da PM Juliane dos Santos Duarte e do sargento Ronaldo Ruas Silva, ocorridos em 7 de agosto do ano passado e em 1º de novembro deste ano, respectivamente, para justificar a violência contra a favela. Assim como o governador João Doria (PSDB) fez quando ainda era prefeito de São Paulo, vinculou os pancadões ao crime organizado.
“Essa é a favela de Paraisópolis. Dominada pelo PCC, dominada pelo crime. O pancadão, o funk não é poesia. Não é um carro de som com jovens dançando. Quando eu era vereador em São Paulo recebemos reclamações e informações do que era o baile funk: drogas, estupro de menores, crime dominando, o PCC dominando e as pessoas sem poder dormir”, declarou.
Por fim, o capitão diz que vai ter mais mortes em Paraisópolis e questiona: “como um rapaz sai de Mogi para ir a Paraisópolis? Qual o objetivo? Qual o intuito?”. “O que aconteceu no último domingo estava previsto e vai acontecer novamente. Não houve chacina. Que chacina? Houve um pisoteamento de pessoas. E vai acontecer de novo”, afirmou.
Ele postou o vídeo do discurso no Instagram e recebeu dezenas de curtidas e comentários de apoio.
Para o coronel reformado da PM paulista e mestre em direitos humanos Adilson Paes de Souza, as imagens e conteúdos dos posts revelam a força de um discurso onde a morte é vista como solução. “Existe uma subcultura policial cuja expressão máxima é o uso da violência de uma forma brutal, desmedida e onde a morte das pessoas é objeto de ação da polícia e é sinônimo de ação eficiente da polícia”, pontua. “Essa subcultura é muito mais forte que qualquer regramento ou normatização oficial. É algo não oficial, mas tolerado e que a normatização oficial não consegue debelar, que domina tudo, controla tudo e que determina o modo de atuação dos policiais. Obviamente não estou generalizando, nem todos são cooptados por essa subcultura. Mas não há como negar a profusão desses grupos e entender que não é de hoje”.
Adilson cita outros grupos que reverenciam, estimulam e desejam ações violentas da polícia como “Adoradores da Rota” e destaca que essas redes reforçam a ideia do “bandido bom é bandido morto” e de que existe um inimigo a ser combatido. “Não adianta nenhuma autoridade falar que os protocolos não foram seguidos, que existem normas que apregoam o uso da força em ação policial. Sem dúvida existem muitas normas e muito boas. Contudo, essa subcultura policial é tão forte que faz com que essas normas, na prática, não valham nada”, conclui.
Outro lado
A Ponte tentou contato com o tenente Bruno Matos pela conta do Instagram e Facebook dele, mas, até o momento, não houve um retorno.
A reportagem também pediu que a Polícia Militar comentasse a atitude do agente e a existência desse tipo de página e postagens. Em nota, a PM afirmou que não admite prática de atos de violência e incitação, e que prioriza a boa conduta de seus policiais, aplicando punições quando há desvio de conduta.
“O PM que se desvia em conduta e comete de crime responde ao devido processo legal e deixa, em decorrência de seus atos, as fileiras da Polícia Militar por ato administrativo exoneratório, além de cumprir a pena restritiva de liberdade, quando assim a Lei determinar”, diz trecho da nota, que também cita a existência da Corregedoria para apurar eventuais desvios de conduta.