A cantora Elza Soares morreu, aos 91 anos, na tarde desta quinta-feira (20), em sua casa no Rio de Janeiro. De acordo com uma nota publicada pela assessoria da cantora no Instagram, a morte aconteceu em consequência de “causas naturais”.
Da Universa, compartilhado de Geledés
Um dos principais nomes da música brasileira, a artista nasceu no bairro de Padre Miguel, no Rio de Janeiro, no ano de 1931. Aos 12 anos, foi obrigada pela família a abandonar os estudos e a se casar com um amigo do pai depois de sofrer uma tentativa de estupro. Com 20, Elza ficou viúva e, em 1962, casou-se novamente, dessa vez com o jogador de futebol Garrincha. Ao todo, ela teve oito filhos — quatro morreram, um foi entregue à adoção e uma foi sequestrada.
Temas relacionadas a mulheres perpassaram toda sua carreira. Em 2015, com o disco “Mulher do Fim do Mundo”, a artista trouxe canções ainda mais fortes sobre a questão feminina, que retratavam inclusive o relacionamento abusivo que viveu com Garrincha. Com letras que abordam a violência doméstica, psicológica e o racismo, Elza chegou ao topo musical novamente, após quase 10 anos sem lançar nenhum álbum.
Em 2019, em entrevista a Universa, quando questionada sobre um possível ponto final na carreira, ela deu seu recado: “Pelo amor de Deus. Não tenho tempo de pensar nisso. Penso no agora, não no fim.”
Em homenagem à carreira e ao legado da artista, Universa separou as principais lições feministas que Elza ensinou ao Brasil.
É preciso insistir para ser quem se é
Filha de uma lavadeira, Elza via a vida dura da mãe e, apesar de os pais não verem perspectiva de uma trajetória diferente para ela, a cantora queria mudar.
“A expectativa era de não ser lavadeira como minha mãe. Não queria carregar água, ter varizes. Tinha pavor da minha mãe passando roupa com ferro de carvão, lavando tanta roupa”, contou durante participação do programa Saia Justa, do GNT, em 2020, destacando que uma tia a incentivou na carreira artística.
Dessa insistência em seguir a carreira que queria, veio também a certeza do seu poder: “Eu me sinto maravilhosa. Nasci negra, me orgulho de ser uma mulher negra, por ter vencido. Sou negra e maravilhosa. Elza Soares. A deusa, a negra”, disse, em entrevista a Universa.
A mulher negra cria seu próprio palco
A frase “eu vim do planeta fome” foi dita por ela durante participação de um show de calouros de Ary Barroso, no rádio. Ele perguntou: “De que planeta você veio?”. E a resposta veio depois que apresentador e público riram da roupa da cantora, que estava com um vestido da mãe, preso com alfinetes, pois era muito magra.
Ao conquistar seu espaço, Elza sentiu que o palco era seu motor transformador de autoestima. “Toda vez que entro no palco, me sinto o máximo. Fora, eu sou a Conceição. Mas, lá, me sinto a negra mais gostosa, mais sedutora. Lá, estou viva”, contou a artista, em participação no programa Roda Viva, em 2002.
Justiça social é sempre uma bandeira
Em sua participação no Rock in Rio, em setembro de 2019, Elza gritou “machistas não passarão” e “vamos aprender a votar, porque nós não sabemos”.
Entoou também nomes de vítimas da violência no Rio de Janeiro, como o da menina Ágatha Félix, 8, morta por estilhaços de uma bala de fuzil no Alemão, na zona norte, e o da vereadora do PSOL Marielle Franco, assassinada em 2018.
Temos que legitimar vozes que não são ouvidas
Na música “O que se Cala”, do álbum “Deus é Mulher” (2018), Elza utilizou o conceito de “lugar de fala” para marcar a importância de legitimar vozes que não são ouvidas e abrir espaço para grupos sociais historicamente reprimidos, como mulheres, negros e LGBTQIA+. Na letra, ela crava: “Minha voz uso pra dizer o que se cala”.
Violência doméstica precisa ser denunciada
“A mulher tem que denunciar e não apanhar nunca. Até hoje fico pasma. Ela bota o homem no mundo e ainda vem a violência contra a mulher. Eu não entendo. É muito difícil pra minha cabeça”, comentou, também na entrevista a Universa.
Largue tudo e vá embora. E tem que ter um lugar onde a vítima tenha comida, banho e possa se esconder.
O tema também percorre o álbum “Mulher do Fim do Mundo”. Na música “Maria da Vila Matilde”, anuncia: “Cadê meu celular?/ Eu vou ligar pro 180/ Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”.
“A música serve para denunciar, para gritar. Muitas vezes nós gritamos e as pessoas não nos ouvem”, diz a cantora, em entrevista à revista Cult.
Filhos devem ser criados sem machismo
Apesar das dificuldades, a cantora afirma que criou os filhos Carlinhos, Gérson, Gilson e Garrinchinha, Dilma e Sara da mesma forma. O que seria, segundo ela, uma das maneiras eficazes de combater o machismo.
“Não tem distinção, o filho tem que ser criado igual à filha. E tudo bem”, reforçando que as tarefas domésticas também são trabalho masculino.
Mulheres têm de pegar na mão uma da outra
“Hoje, nós, mulheres, sabemos da necessidade de pegar na mão da outra e fazer uma corrente. Sou mulher e vou continuar parindo com a música. Por Marielle e por todas e todos”, falou, em entrevista à Revista PODER, em 2019.
“Procuro estar ao lado das mulheres, da mulher negra, da mulher pobre, mas tem que ser devagar, de degrau em degrau. Tem que saber a forma como isso é feito”, disse a artista em entrevista ao jornal Valor Econômico, em 2014. “A gente tem que buscar uma liberdade maior. Fico muito feliz quando vejo uma mulher num lugar digno.”