A negação da humanidade

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista, Facebook 

Não é por acaso que, neste momento, haja uma agressão à filosofia e uma rendição à matemática. Como se nisso houvesse consistência lógica e mínimo amparo intelectual. Se não, como explicar Pitágoras (670-495 a.C.) A.N. Whitehead (1861-1947) e Bertrand Russel (1872-1970), alguns que foram, ao mesmo tempo, filósofos e matemáticos?




E se não existisse, na matemática e na filosofia, uma pergunta que permanece sem resposta: a matemática é invenção ou descoberta? Mas nada disso importa na miséria afetiva da vida diária. O que leva a uma releitura do perturbador artigo do historiador camaronês Achille M’Bembe, “A era do humanismo está terminando”.

Um outro “longo e mortal jogo começou” na avaliação de M’Bembe e isso deve fazer com que o principal choque na primeira metade deste século 21 “não seja entre religiões ou civilizações, mas entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo. Entre o humanismo e o niilismo”, o que significa dizer: à ideia de que valores como a dignidade humana são infundados e devem ser substituídos por uma avaliação com base numa espécie de contabilidade social.

Daí os números da matemática, em que humanos seriam apenas um item, como outro qualquer. O que está por trás dessa situação é um banimento do antropocentrismo, aquele que retirou a humanidade das garras dos demônios do obscurantismo, na Idade Média, para colocá-la nos braços do Renascimento.

A reinterpretação do mundo, com o homem posicionado no centro de toda preocupação, com uma nova ética, o que significa dizer, com uma nova estética. A racionalidade que levou à Revolução Científica do século 17 e à Revolução Industrial que substituiu músculos humanos e animais pela força mecânica das máquinas. Com todas as contradições trazidas por uma mudança dessa dimensão.

A inconveniência da filosofia, nestes tempos sofríveis em que vivemos, estaria justamente no questionamento dessas operações de contabilidade social, desprovidas de um mínimo de pudor.  Não é um fenômeno brasileiro, evidentemente. Mas com ressonância intensa por aqui, em função do pesado passado histórico, o patriarcalismo, o escravismo, que nunca esteve inativo.

Essa nova onda de valores é professada e defendida por uma classe de agentes de olho no imediatismo, na saciedade sumária de um apetite voraz, um novo tipo de adicção, resultado de um materialismo vazio de valores, em que a ganância e a necessidade desesperada de alguma compensação afetiva são os principais sintomas. Então, a recusa a qualquer reflexão capaz de colocar em xeque o castelo de areia ou de cartas, não importa qual deles.

Ambos sem qualquer consistência no sentido de reconhecer a condição humana no grande vazio do Cosmos. Não estamos no Universo, como se costuma pensar, como se vivêssemos no século 12 e não no 21. Somos parte indissociável do corpo do Cosmos. Somos, os humanos e possivelmente outras inteligências, a porção do Universo que reflete sobre ele mesmo.

O sentido do existir, ainda hoje carente de um significado capaz de amenizar o sentimento de orfandade cósmica. O que ocorre por aqui, e isso inclui fatos tão distintos e surpreendentes como a negação da filosofia ou o desabamento de um edifício no centro da maior cidade brasileira. Supostamente por culpa das vítimas. Uma completa inversão de papeis.

Não há, aqui, uma causa e um efeito, como anunciou Isaacc Newton em sua mecânica celeste. A que ponto chegamos no negacionismo, que tenta valer-se de operações matemáticas para livrar-se de qualquer comprometimento. Qualquer responsabilidade, qualquer iniciativa de compreensão e tomada de posição comprometida com um mínimo de dignidade em relação aos humanos e, por extensão, a todo o Cosmos.

O que há, cada vez mais, no vazio crescente deixado por humanos, é um exército de não-pessoas. E se sobre esse exército de miseráveis desaba o peso da sorte cruel, o problema é só deles. Criado por eles, como a maldição de um deus impiedoso, uma máquina de acumulação que sonha em apoderar-se da Terra inteira.

Como se não fosse esse um sonho sem sentido. Uma estupidez, como nunca se viu até agora. Então, o repúdio à filosofia como metáfora de negação de todo o humanismo: da pintura, à música, do teatro à literatura. O humanismo, capaz de colocar as coisas em seus devidos lugares de reconhecimento. A humanidade no centro de toda a fenomenologia. Sem o que o Cosmos deixa de fazer qualquer sentido.

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