Negar ciência dá dinheiro e elege políticos

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Por André Barrocal, no CartaCapital, publicado em Outras Mídias

Nos anos 60, cientistas foram corrompidos para semear dúvida contra campanha antitabagista. Hoje, aplicada às mudanças climáticas, mesma estratégia mira em evangélicos para impedir políticas públicas e sustentar poder de Bolsonaro

Propaganda de cigarros nos anos 60: “20.679 médicos dizem que ‘Lukies são menos irritantes para a garganta”

A Fiocruz, órgão ligado ao Ministério da Saúde, foi proibida de divulgar uma pesquisa sobre drogas no Brasil pois concluía não haver epidemia. “Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências”, disse o ministro Osmar Terra, porta-voz da censura.

O astrólogo Olavo de Carvalho, a quem Jair Bolsonaro considera líder intelectual da revolução que acha que leva adiante, questiona a eficácia das vacinas e dissemina confusão astronômica. Quem gira em torno de quem, a Terra do Sol ou seria o contrário? “No confronto entre geocentrismo e heliocentrismo não existe uma prova definitiva de um lado, nem de outro”, disse em 2012.

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o físico Ildeu Moreira vê o predomínio de uma “perspectiva anticientífica” no governo. “Alguns mais radicais acham que a evidência científica é só uma opinião a mais”, diz. Ele cita outros espécimes anticiência em Brasília, como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que nega o aquecimento global.




Dinheiro

Botar em dúvida descobertas científicas e o papel do conhecimento dá dinheiro. É o que diz o livro “Mercadores da Dúvida”, lançado em 2010 pela americana Naomi Oreskes, de 60 anos, professora de história da ciência na Universidade Harvard. A obra, que virou documentário em 2014, nasceu justamente do aquecimento global negado por Salles.

No início dos anos 2000, Naomi estudou 928 artigos científicos a respeito de mudança climática e constatou que todos chegavam mais ou menos à mesma conclusão. A ação do homem interfere na temperatura do planeta. Por que então apenas 62% dos americanos concordavam que o fenômeno existia?

Porque, constatou Naomi, havia cientistas pagos por lobistas e empresas para semear incerteza na mídia a respeito do tema. Três físicos são citados no livro como integrantes da linha de frente dos mercadores da dúvida: Frederick Seitz, Robert Jastrow e William Nierenberg.

Esse modelo de atuação, segundo Naomi, foi inventado na década de 1960 pela indústria do cigarro, a fim de retardar políticas públicas antitabagistas. E depois foi adotado por setores interessados em adiar a regulação governamental de alguns negócios, como aqueles que afetam o meio ambiente.

Na busca por lucros, petroleiras, fazendeiros e madeireiros são exemplos de setores semeadores de dúvidas. Os dois últimos são, no Brasil, bolsonaristas. E o presidente faz por merecer. Um exemplo?

Em abril, o ex-capitão proibiu fiscais do Ibama de destruir equipamentos usados na Amazônia por madeireiras e garimpeiros ilegais. A fiscalização ambiental costuma destruir quando os equipamentos estão nas profundezas da floresta e a logística para tirá-los dali é difícil e cara.

As dúvidas interessam a Bolsonaro por razões ideológicas também. O eleitorado evangélico foi fundamental para seu triunfo nas urnas. E tem sido para manter a popularidade presidencial na faixa de um terço dos brasileiros. Com esse nível de aprovação, o presidente peita o Congresso e o que chama de “velha política”.

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