Negro no mercado de trabalho: as desigualdades persistem e são profundas

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Por André Cardoso, economista, Brasil Debate – 

Mesmo com o fim da escravidão, não houve a inserção do negro na sociedade. Foi mantida a lógica de exclusão, sendo os negros responsáveis por posições subalternas, mal remuneradas, no setor de subsistência, nas quais prevalecem ausência de proteção previdenciária e desrespeito aos direitos trabalhistas

O dia 20 de novembro é um marco para o movimento negro na luta pelos seus direitos e resgate da cultura afro-brasileira, o dia da Consciência Negra. Resgatando a luta e resistência do povo negro contra o racismo na figura do grande lutador Zumbi dos Palmares.

O mês inteiro é dedicado à reflexão da inserção do negro na sociedade brasileira. Esse momento é importante para evidenciar as contradições que ainda imperam e a necessidade premente de continuar lutando por transformações que alterem concretamente as injustiças que assolam os negros no país.

Especificamente no mundo do trabalho, mesmo com o fim da escravidão no país, tendo como base agora o trabalho assalariado, não houve a inserção do negro na sociedade. Foi mantida toda a lógica de exclusão existente, sendo os negros responsáveis por posições subalternas, no setor de subsistência e em atividades mal remuneradas, o que mais tarde se denominou como setor informal.

Segundo os dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) pelo Sistema PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), os negros eram maioria na População Economicamente Ativa – PEA, nas regiões analisadas: Fortaleza (83,0%), Recife (77,7%) e Salvador (92,4%). Em São Paulo eram 38,4%, e, em Porto Alegre, ficava em apenas 13,3%. Apesar desse número expressivo, independentemente do peso relativo da população negra, a proporção de negros desempregados é sempre superior a de negros ocupados.

Constatou-se também que as formas de inserção dos trabalhadores negros ocupados ainda são marcadas pela precariedade. Mesmo com o crescimento do emprego mais formalizado, a participação relativa dos negros é maior nas ocupações nas quais prevalece a ausência da proteção previdenciária e, em geral, os direitos trabalhistas são desrespeitados.

Examinando os indicadores do mercado de trabalho, observa-se que, em alguns aspectos, as desigualdades raciais e a discriminação de gênero se cruzam e se potencializam. A situação da mulher negra evidencia essa dupla discriminação. O trabalho de negros (as) e de mulheres é menos valorizado social e economicamente.

Ao analisar o emprego no ramo metalúrgico, encontramos as mesmas contradições fruto do racismo existente: inseridos em segmentos mais precarizados, recebendo salários menores, mesmo estando nas mesmas posições que os não negros com as maiores taxas de rotatividade. No Brasil em 2014 eram 666 mil metalúrgicos (as) negros (as), representando 28,5% do total desse ramo.

A participação do (a) metalúrgico (a) negro (o) é maior no segmento de Outros Materiais de Transporte (que produzem em sua maioria motocicletas, veículos ferroviários e suas partes etc.), com 53,0%, seguido pelo segmento Naval, com 52,3%. Estes dois setores apresentam muitas dificuldades referentes às condições de trabalho, como por exemplo, altos índices de rotatividade e baixas remunerações.

Os segmentos com menor participação do (a) trabalhador (a) negro (a) são o Aeroespacial, com 12,4%, seguido pelo Automotivo, com 23,8%. Destacando-se que as condições de trabalho nesses dois últimos são inversas aos dois primeiros: eles apresentam os maiores salários e os menores índices de rotatividade do ramo metalúrgico.

Dada a inserção em segmentos mais precários, observa-se que a remuneração média de 2014 do (a) metalúrgico (a) negro (a) é menor do que a do (a) não negro (a): aqueles recebem 71,7% da remuneração deste último.

Ao olhar essa distribuição também por gênero, as desigualdades são ampliadas. Adotando como 100% a remuneração média do homem não negro. Em 2014, a mulher não negra recebe 72,3% da remuneração do primeiro. Já o homem negro recebe 71,6% e, por último, a mulher negra recebe 50,5%, metade da remuneração do homem não negro.

Mesmo quando metalúrgicos (as) negros (as) e não negros (as) ocupam o mesmo cargo, na mesma jornada de trabalho, a diferença persiste. Das 15 maiores ocupações observadas, em todas elas a remuneração dos (as) negros (as) é menor que a dos não negros (as). Na ocupação na qual está a maior parte dos metalúrgicos (as), Alimentadores de linha de produção, os negros recebem 74,2% da remuneração do não negro.

Aumentar o tempo de estudo para mitigar essas diferenças, como prega o senso comum, não é comprovado quando se analisam os dados sobre o ramo metalúrgico. Mesmo fazendo a mesma jornada de trabalho, conforme aumenta o tempo de estudo, a diferença salarial se aprofunda. Na comparação entre os analfabetos, os (as) negros (as) recebiam 88% dos não negros; agora no caso dos (as) metalúrgicos (as) com ensino superior completo, os (as) negros (as) recebiam 75,7% dos (as) não negros (as).

Ao analisar a taxa de rotatividade descontada (taxa que exclui as demissões a pedido, morte, aposentadoria e transferências), que tem como objetivo captar a substituição do ocupante de um posto de trabalho por outro, vê-se que o índice para os (as) metalúrgicos (as) negros (as) é maior que dos (as) não negros (as).

Em 2014, enquanto que para estes últimos o índice é de 30,5% (isso significa que para cada 10 postos de trabalho gerados, 3 foram para substituir trabalhadores demitidos), entre os (as) negros (as) é de 41,3%.

Na luta por acabar com essas desigualdades no mundo do trabalho, muitas ações são feitas pelos sindicatos: tanto na luta cotidiana dos trabalhadores (as), como em lutas mais gerais que englobam um conjunto maior de setores da sociedade. Um desses momentos de luta são as negociações coletivas de trabalho que buscam conquistar cláusulas nesses acordos que dizem respeito à questão do (a) negro (a) trabalhador (a).

Analisando as garantias relacionadas à igualdade de raça/cor nos acordos e convenções coletivas de trabalho no Brasil (que tratam de temas variados como combate à discriminação; igualdade de oportunidade; isonomia salarial; saúde e ações afirmativas), nos anos de 2006 a 2014, nota-se um crescimento (66,67%) delas, de 21 para 35. São instrumentos importantes para garantir avanços na luta contra as desigualdades apresentadas acima.

Fica evidente ao analisar o mercado de trabalho e do ramo metalúrgico no Brasil que o racismo ainda é estrutural, necessário para a manutenção da sociedade capitalista que vivemos, mantendo a população negra na mesma condição subalterna de exploração, com menores salários e, ainda que ocupando os mesmos postos de trabalho, e com o mesmo tempo de estudo, remunerado de forma diferente.

A ideia de que há condições para que o negro possa aproveitar as linhas de capilaridade social para ascender, por meio da adoção explícita das formas de conduta e de etiqueta dos brancos bem‐sucedidos, não passa de uma falácia, a dita democracia racial.

Nas palavras do professor Darcy Ribeiro: “Ou bem há democracia para todos, ou não há democracia para ninguém, porque à opressão do negro condenado à dignidade de lutador da liberdade corresponde o opróbio do branco posto no papel de opressor dentro de sua própria sociedade”.

Resgatar as lutas e enfrentar, não só no mês de novembro, as contradições que a população negra no Brasil tem de superar é uma tarefa de todos que têm o compromisso com uma sociedade mais justa e solidária.

Para ler o estudo completo, acesse AQUI.

Crédito da foto da página inicial: ABr
André Cardoso é economista do DIEESE, na Subseção da Confederação Nacional dos Metalúrgicos/CUT; organizador do livro “As faces da indústria metalúrgica no Brasil: uma contribuição à luta sindical”

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