Nem a pau, Merval!

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Por José Carlos Asbeg, cineasta e jornalista – 

Era um garoto. Como eu. Talvez amasse os Beatles e os Rolling Stones. Nos conhecemos na redação do jornal em 1972. Um ano depois o acolhi em minha casa em Londres, para onde eu havia ido estudar cinema. Ficou lá pouco tempo.




Lembro de uma viagem que fizemos para Amsterdam. Ele, Etevaldo Dias, Pipsi – minha companheira na época – e eu. A extrema liberalidade holandesa com sexo e drogas nos intrigava, jovens recém saídos da extrema repressão da ditadura brasileira.

Entramos em um cineminha pornô para ver o que era tão proibido no Brasil. Fomos expulsos porque caímos na gargalhada com a bizarra cena de um cidadão de cueca samba canção e meia soquete preta se esforçando para satisfazer uma entediada parceira ao som de  Insensatez, de Tom Jobim. Impossível qualquer tentativa de erotismo ali.

De volta a Londres, numa tarde preguiçosa, ele me informa que vai regressar logo para o Brasil, quer retomar a carreira e me faz um surpreendente convite: vamos voltar e mudar o jornal por dentro. Do alto dos meus então 24 anos eu desconsiderei de pronto a proposta. Não podia ser uma coisa séria. Só podia ser coisa de garoto.

Segui minha vida na Inglaterra e ele voltou ao jornalismo brasileiro, onde fez uma extensa carreira. Perdemos contacto, nunca mais nos vimos, nem nos falamos, mas jamais esqueci a conversa daquela tarde de primavera inglesa. Conversa de dois garotos.

Pois é, Merval Pereira, o mundo girou, a ditadura acabou e o seu jornal não mudou.

Ficaram algumas perguntas: será que foi você quem mudou, então? Será que você sempre foi desse jeito e eu não havia percebido? Será que eu era um ingênuo e você já era o que é hoje?  Será que eu deveria ter entendido assim: vou mudar por dentro, trabalhando no jornal?

Que pena que você tenha se transformado em protagonista de uma das mais vergonhosas páginas de toda a história do Brasil. Que pena que você e outros colegas seus de jornal e de TV tenham se juntado a Eduardo Cunha, Gilmar Mendes e Michel Temer. Que pena que aquele garoto que saiu às risadas do cineminha de Amsterdam tenha se transformado no jornalista que golpeia diariamente a democracia brasileira.

Que pena, Merval, que seu jornal capitaneia, mais uma vez um golpe no nosso país.

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