Por Gabriela Rollemberg e Ivy Farias, em El País –
Como viabilizar qualquer esboço de incentivo à participação feminina quando uma vereadora em seu primeiro mandato é barbaramente assassinada?
A morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) não enterra os sonhos apenas de uma mulher negra, de origem periférica, bissexual, jovem, feminista e militante dos direitos humanos: os nove tiros que atingiram a parlamentar no centro do Rio de Janeiro ontem ferem diretamente o ideal de uma política igualitária e um Estado Democrático de Direito que realmente represente a população brasileira como ela de fato é, com 51% de mulheres.
Não foi à toa a data escolhida pelos assassinos de Marielle pois março é o mês internacional da mulher e a agenda dela privilegia uma agenda feminista, como os projetos de lei “Pra fazer valer o aborto legal” e “Assédio Não é Passageiro”. Aliás, ela voltava de uma reunião com mulheres negras quando foi assassinada no bairro Estácio.
Marielle foi a quinta mais votada no Rio com um total de 46.502 votos e era a presidente da Comissão da Mulher na Câmara dos Vereadores. Ela era a prova viva da subrepresentação política feminina no Brasil, país que ocupa a 154ª posição no ranking mundial de presença feminina em parlamentos elaborado pela União Interparlamentar, pois estava com apenas mais seis mulheres em um total de 55 assentos.
Sua morte é uma tentativa clara de intimidação à participação política das mulheres. Se já é difícil atingir as cotas de 30% de candidaturas, bem como das dificuldades que as candidatas enfrentam no pleito (pesquisa do Data Senado aponta que 41% das entrevistadas revelam a falta de apoio político dentro dos partidos), como será possível viabilizar qualquer esboço de incentivo à participação quando uma vereadora em seu primeiro mandato é barbaramente assassinada? Que mulher vai querer entrar para a política em um cenário tão desolador?
E pode piorar: hoje será votada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5617 no Supremo Tribunal Federal, em que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende que a atual aplicação do fundo partidário para candidaturas femininas fere expressamente o direito fundamental de igualdade entre homens e mulheres no País.
O relator Edson Fachin apreciará o pedido para que o montante mínimo de recursos destinados seja o mesmo das cotas para candidaturas femininas, de 30%, e que não se estabeleça um limite máximo para esse percentual. Além da garantia de reserva das candidaturas, as mulheres necessitam de recursos suficientes que possibilitem sua disputa eleitoral em igualdade de condições com os homens. Os percentuais de no mínimo 5% e no máximo 15% previstos na legislação não são suficientes para corrigir a desigualdade existente e acabam por acentuá-la, mitigando o pluralismo de gênero que é fundamental para a efetivação da igualdade defendida na Constituição.
Outro ponto que a ADI 5617 traz é o prazo de apenas três eleições para a efetiva vigência dos destinos dos recursos. Para Raquel, o tempo é insuficiente para corrigir tamanha desigualdade histórica no Brasil. Já a petição inicial da ação ressalta que “(…) A presença de mais legisladoras pode contribuir para modificar o processo político de outras formas, por exemplo, influindo nos modelos de tomada de decisão para que sejam mais consensuais, participativos e abertos à sociedade civil e às minorias.”
A decisão dos ministros no julgamento de hoje impactará diretamente a viabilidade de várias candidaturas. O posicionamento que será adotado pelo STF no julgamento da ADI 5617, ainda que se refira aos recursos do Fundo Partidário, pode repercutir de maneira direta na utilização dos recursos do Fundo Eleitoral consolidado pela Lei nº 13.487/17 em campanhas para mulheres.
Se o entendimento do ministro Fachin for desfavorável, o Brasil retrocederá mais dois passos nesta primeira quinzena de março. O primeiro, irreparável, é o luto que o assassinato de Marielle Franco deixa entre os seus entes queridos, no movimento feminista e na democracia por qual tanto lutou. O que está no STF ainda está em tempo de mostrar que a morte de Marielle não pode ser em vão. Nem uma a menos – também na política.
Gabriela Rollemberg é advogada, vice-presidente da comissão especial de direito eleitoral do CFOAB, membro do “Mais Mulheres no Direito” e do “Elas Pedem Vista”.
Ivy Farias é jornalista e estudante de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro do movimento “Mais Mulheres no Direito”.