Por René Ruschel, publicado em Carta Capital –
Jovem agredida com suástica trouxe questão de volta à luz. Polícia tem força especial de combate a grupos neonazistas desde 2000 e monitora cerca de 500 integrantes
A onda de violência partidária que se instalou no país após o primeiro turno das eleições trouxe à tona, notadamente em Porto Alegre (RS) um neologismo que parecia adormecido: o neonazismo. Há menos de dez dias, uma jovem de 19 anos foi agredida por três rapazes ao descer de um ônibus no bairro Cidade Baixa, na capital gaúcha, e teve sua barriga marcada pela ponta de um canivete com a suástica nazista. A vítima, por temor a novas retaliações, preferiu retirar a representação à polícia e o caso foi encerrado.
Há exatos trinta dias, 19 de setembro último, na 2ª Vara da Justiça de Porto Alegre, um júri popular condenou três homens acusados pela tentativa de homicídio triplamente qualificado contra três jovens judeus. O crime aconteceu em 2005, o processo se arrastou por treze anos, e só agora foi concluído. Dois dos réus foram condenados a 13 anos de prisão em regime fechado e outro a 12 anos e 8 meses. Entre as qualificações do crime, uma delas foi motivo torpe por discriminação contra a religião das vítimas, o judaísmo.
Na noite de 8 de maio de 2005, data que se comemorava os 60 anos da rendição alemã na Segunda Guerra Mundial, os rapazes judeus, usando quipá – uma espécie de pequeno chapéu circular usados pelos homens da religião judaica – transitavam pelas ruas do bairro Cidade Baixa, o mesmo onde a jovem foi atacada há poucos dias, quando foram avistados por um grupo de cerca de 14 pessoas. Eram homens e mulheres entre 15 e 30 anos que decidiram ataca-los a chutes e pontapés. Uma das vítimas levou uma facada no abdômen, o que configurou a tentativa de homicídio.
Para o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, Zalmir Chwartzmann, a justiça foi feita. “O julgamento entra para a história da Justiça brasileira, não só para a comunidade judaica, mas para toda sociedade, que precisa combater o ódio e o discurso de ódio dos radicais”, afirmou.
O histórico destes grupos no estado vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando nazistas, fugitivos da Alemanha, chegaram ao Cone Sul, principalmente Brasil e Argentina. No caso do Rio Grande do Sul, soma-se ao fato da colônia alemã ser grande na região. Durante muitos anos os historiadores pouco sabiam sobre estes fatos. A partir dos anos 1980 – quando o editor Siegfried Ellwanger Castan começou a editar livros e outros materiais que criticavam e negavam as versões contrárias ao regime alemão, sobre a Segunda Guerra e o Holocausto – o tema veio à tona.
No início dos 2000, a Policia Civil gaúcha criou uma equipe especializada no combate e repressão a estes grupos, localizados na capital e em outras cidades do interior. Desde então, houve várias prisões com mais de 50 pessoas indiciadas, diversos inquéritos instaurados e inúmeros termos circunstanciados. Destes processos, muitos foram encaminhados à Justiça. Embora os dados não sejam oficiais, estima-se que haja, em Porto Alegre, cerca de dez grupos considerados neonazistas.
“O que chama atenção é que estes atentados ocorreram na mesma região da cidade, em ruas próximas. No entanto, os ataques envolvendo este tipo de crime, dificilmente são registrados na Polícia”, afirmou o sociólogo Rodrigo Dilelio, presidente do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores. Para ele, “esses caras não se juntam só para atacar judeus ou homossexuais, mas sim para hostilizar e mostrar força”.
Quem são os neonazistas gaúchos
As características entre eles são semelhantes. Geralmente jovens entre 17 e 30 anos. A maioria homens, embora haja mulheres que atuam no meio. Não vem de famílias ricas, mas estão longe de serem pobres ou excluídos. Uma pequena parte, os chamados doutrinadores, tem curso superior e bons empregos. Decoram o corpo com tatuagens que identificam suas simpatias ideológicas e são violentos, muito violentos, quando estão em grupo. No movimento, mantêm uma estrutura rígida no planejamento e na execução de suas ações. No estado, a polícia já catalogou mais de 500 integrantes ativos.
Em 2016, a Secretaria de Segurança Pública do Estado recebeu informações que pessoas vindas da Ucrânia e outros países do Leste Europeu estavam em Porto Alegre para recrutar simpatizantes neonazistas dispostos a lutar no Batalhão de Azov, uma instituição paramilitar ucraniana. A operação não foi além da fase de depoimentos, mas alguns envolvidos foram presos por já estarem indiciados em crimes comuns. Com eles, foram encontradas armas, computadores, estojos de munição, vários exemplares do livro “Mein Kampf” (Minha Luta), de Adolf Hitler e propaganda do movimento “White Power Sul Skin”(Poder da Pele Branca no Sul).
Para o sociólogo Antonio Cattani, professor titular de Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor visitante na Universidade de Bolonha, na Itália, o que se observa não apenas em Porto Alegre, mas em todo o Brasil, é a emergência destes personagens marcados pela intolerância, pelo preconceito, por valores contrários ao processo civilizatório, com profunda aversão à diversidade e aos interesses coletivos. “Eles são uma espécie de sintomas de um corpo doente. O que interessa não são apenas as suas manifestações brutais e sim o que contêm este corpo, por que ele está doente e por que se manifesta desta maneira”, afirmou.
Embora os neonazistas sempre ajam em qualquer circunstância, a onda conservadora que tem assolado não só o Brasil, mas países como a Hungria, Polônia e mais recentemente os Estados Unidos, apenas liberou os índices de intolerância que estavam sendo contidos pelo processo civilizatório e mais democrático, que “agora reagem na busca de uma espécie de liderança que canalize e potencialize suas reivindicações”.
Para ele, Jair Bolsonaro (PSL) encarna exatamente este espírito de intolerância, racismo, homofobia e machismo, com o qual boa parte da população brasileira se identifica. “Em caso de vitória da extrema direita, esses movimentos encontrão legitimidade para suas ações e se o candidato que representa a democracia ganhar poderemos sofrer um “revide” com ações mais violentas ainda pela não aceitação da derrota” prevê o sociólogo.
Thomas Manz, representante no Brasil da Fundação Friedrich Ebert, explica que na Alemanha, a partir dos anos de 1980, o neonazismo se nutre, entre outros motivos, pela rejeição a migração massiva, sobretudo de refugiados africanos e árabes a partir de 2015. “Na Europa, a onda de violência cresce contra um ‘inimigo externo’. No Brasil, se direciona contra ‘inimigos internos’, no caso, petistas, feministas, LGTBs e nordestinos”.
O crescimento da extrema direita na Europa acontece em um momento que, por um lado, a migração massiva requer boa infraestrutura pública, como educação, moradia, saúde e um sólido Estado de Bem Estar. No entanto, as políticas neoliberais debilitaram consideravelmente a infraestrutura pública e o Estado de Bem Estar.
O ingresso de migrantes e o enfraquecimento do setor público deixou boa parte da sociedade com a percepção de estar órfãs do Estado, uma vez que ele [estado] estaria priorizando os refugiados em detrimento da população local. “Parte considerável desses cidadãos deixa de votar nas eleições e só volta à cena política quando aparece uma oferta de populismo de direita. Nas últimas eleições regionais na Baviera, o partido da extrema direita AfD recebeu, sobretudo, os votos daqueles que não votaram nas eleições anteriores” contou Manz.
Para ele, esse risco pode se repetir no Brasil, caso Bolsonaro vença as eleições. “O discurso do ódio, do desrespeito, da violência que ele sustenta pelas redes sociais não levará a nada. Pode sim, invadir as ruas e isto não será bom para o Brasil”.
O grande desafio neste momento, diz o sociólogo Cattani, é reafirmar os princípios democráticos e esclarecer a população o que representa as práticas do candidato do PSL. “É importantíssimo que as pessoas compreendam o sentido da metáfora da cigarra, que, com medo da formiga, votou no inseticida”, conclui.