O New York Times deu matéria nesta segunda (5), dizendo que “símbolos nazistas nas linhas de frente da Ucrânia destacam questões espinhosas da história”.
Compartilhado de Diario do Centro do Mundo
“O uso de insígnias com emblemas nazistas pelas tropas corre o risco de alimentar a propaganda russa e espalhar imagens que o Ocidente passou meio século tentando eliminar”, destaca o jornal mais influente dos EUA.
Alguns trechos*:
Desde que a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia em 2022, o governo ucraniano e os aliados da OTAN postaram, e depois deletaram discretamente, três fotos aparentemente inócuas de seus feeds de mídia social: um soldado em pé em um grupo, outro descansando em uma trincheira e um trabalhador de emergência posando na frente de um caminhão.
Em cada fotografia, os ucranianos de uniforme usavam patches com símbolos que se tornaram notórios pela Alemanha nazista e, desde então, se tornaram parte da iconografia de grupos de ódio da extrema-direita.
As fotografias e o sumiço delas mostram a complicada relação dos militares ucranianos com imagens nazistas, uma relação forjada sob a ocupação alemã durante a II Guerra Mundial. Essa relação tornou-se especialmente delicada porque Vladimir Putin, presidente russo, considera a Ucrânia um estado nazista, uma alegação usada para justificar a invasão.
A Ucrânia trabalhou durante anos por meio de legislação e reestruturação militar para conter um movimento marginal de extrema-direita cujos membros orgulhosamente usam símbolos imersos na história nazista e defendem pontos de vista hostis aos esquerdistas, LGBTs e minorias étnicas. Mas alguns membros desses grupos lutam contra a Rússia desde que o Kremlin anexou parte da Crimeia em 2014 e agora fazem parte da estrutura militar mais ampla. Alguns são considerados heróis nacionais, mesmo que a extrema-direita permaneça politicamente marginalizada.
A iconografia desses grupos, incluindo um emblema de caveira e ossos cruzados usado por guardas de campos de concentração e um símbolo conhecido como Sol Negro, agora aparecem com certa regularidade nos uniformes de soldados que lutam na linha de frente – eles dizem que a imagem simboliza a soberania e orgulho ucranianos, não o nazismo. (…)
“O que me preocupa, nesse contexto, é que os líderes ucranianos, ou não fazem ou não estão dispostos a reconhecer como esses símbolos são vistos fora da Ucrânia”, diz Michael Colborne, pesquisador do grupo Bellingcat que estuda a extrema direita internacional. “Os ucranianos precisam perceber que essas imagens minam o apoio ao país.”
Em comunicado, o Ministério da Defesa ucraniano disse que, como país que sofreu muito sob a ocupação alemã, “enfatizamos que a Ucrânia condena categoricamente qualquer manifestação de nazismo”. (…)
Mesmo grupos judaicos e organizações anti-ódio que tradicionalmente criticam símbolos odiosos permaneceram em silêncio. Particularmente, alguns líderes temem ser vistos como apoiadores dos argumentos da propaganda russa.
Questões sobre como interpretar esses símbolos são tão polêmicas quanto persistentes, e não apenas na Ucrânia. No sul dos Estados Unidos, alguns insistem que hoje a bandeira confederada simboliza orgulho, não sua história de racismo e secessão. A suástica era um importante símbolo hindu antes de ser cooptada pelos nazistas.
Em abril, o Ministério da Defesa da Ucrânia postou uma fotografia em sua conta no Twitter de um soldado usando um emblema com uma caveira e ossos cruzados conhecido como Totenkopf, ou Cabeça da Morte. Esse símbolo ganhou fama por uma unidade nazista que cometeu crimes de guerra e defendeu campos de concentração durante a Segunda Guerra. (…)
A Liga Anti-Difamação considera o Totenkopf “um símbolo comum de ódio”. Mas Jake Hyman, um porta-voz do grupo, disse que era impossível “fazer uma inferência sobre o exército ucraniano” no patch. “A imagem, embora ofensiva, é a de uma banda musical”, disse Hyman. A banda agora usa a fotografia postada pelos militares ucranianos para comercializar o patch Totenkopf.
O New York Times perguntou ao Ministério da Defesa ucraniano em 27 de abril sobre o tweet. Horas depois, a postagem foi apagada. “Depois de estudar este caso, chegamos à conclusão de que este logotipo pode ser interpretado de forma ambígua”, disse o ministério, em comunicado. (…)
Pelo menos cinco outras fotos nas páginas dos Lobos no Instagram e Facebook mostram seus soldados usando insígnias de estilo nazista, incluindo o Totenkopf. As forças armadas da OTAN, aliança à qual a Ucrânia espera se juntar, não toleram esses patches. Quando tais símbolos apareceram, grupos como a Liga Anti-Difamação criticaram e os militares da OTAN reagiram rapidamente. (…)
Em março de 2022, a conta do Twitter da OTAN postou a foto de um soldado ucraniano usando emblema similar. Ambas as fotos foram rapidamente deletadas da rede social.
Já em novembro de 2022, durante reunião com repórteres do New York Times perto da linha de frente, um assessor de imprensa ucraniano usava uma variação do Totenkopf feita por uma empresa chamada R3ICH (pronuncia-se “Reich”). Ele disse que não acreditava que o patch fosse afiliado aos nazistas. Um segundo assessor de imprensa presente disse que outros jornalistas pediram aos soldados que removessem o adesivo antes de tirar fotos. (…)
Alguns ucranianos se juntaram a unidades militares nazistas como a Waffen-SS Galizien. O símbolo do grupo, liderado por oficiais alemães, era um emblema azul-celeste com um leão e três coroas. A unidade participou de um massacre de centenas de civis poloneses em 1944. Em dezembro, após uma batalha legal de um ano, a mais alta corte da Ucrânia decidiu que um instituto de pesquisa poderia considerar a insígnia da unidade como excluída dos símbolos nazistas proibidos sob uma lei de 2015. (…)
Isso torna difícil separar, com base apenas em ícones, os ucranianos enfurecidos pela invasão russa daqueles que apóiam os grupos de extrema direita do país. Unidades como os Lobos Da Vinci, o infame regimento Azov e outras forças que começaram com membros de extrema-direita foram incorporadas às forças armadas ucranianas e são fundamentais na defesa da Ucrânia das tropas russas. (…)
“Acho que algumas dessas unidades de extrema-direita misturam um pouco de sua própria criação de mitos no discurso público sobre eles”, diz Colborne. “Mas acho que o mínimo que pode e deve ser feito em todos os lugares, não apenas na Ucrânia, é não permitir que os símbolos, a retórica e as ideias da extrema-direita se infiltrem no discurso público.”
*Tradução de Charles Nisz