Nilson Lage, 80 anos por ele mesmo

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Via Mario Marona pelo Facebook – 

Completo hoje, segunda-feira, 80 anos.




Não imaginava durar tanto.

Tirando o que o tempo estragou – dois terços das funções pulmonares, um olho, a cabeleira, os dentes – a saúde é ótima, diz-me a jovem médica, mentindo como de praxe. Mas a pressão arterial é 8×12 e o colesterol HDL, alto como raramente se vê.

Minha vida se passou entre mulheres: mãe, esposas, quatro filhas, netas (depois de meu pai, nenhum homem nesse círculo íntimo). As que sobrevivem estão bem: ninguém depende de mim – meta alcançada. Amigos, tive raros, mas queridos; morri um tanto com cada um dos que morreram. Alunos, muitos, depois colegas.

Quanto à carreira, nada foi planejado.

Pretendi ser médico, tentei ser revisor para custear o estudo, mas me puseram na redação numa época de renovação técnica. Não tinha graduação concluída quando fui dar aulas na universidade porque faltava nos cursos de comunicação quem soubesse escrever notícias de jornal. Fiz mestrado e doutorado de olho no aumento do salário de professor, mas sempre desconfiei da academia.

Meu primeiro livro foi publicado quando um aluno, o Fernando Sá, tirou cópia de minha dissertação e me fez assinar contrato com a editora em que trabalhava. Aposentei-me no Rio porque senti que estava incomodando e sendo incomodado na UFRJ; aí me convidaram para concorrer a professor titular na UFSC, em Santa Catarina. Trabalhei mais 14 anos além dos 37 que tinha acumulado e me aposentaram compulsoriamente por limite de idade – isso há dez anos.

Viver tem sido experiência fascinante. Vivendo, aprendi que o que merece ser dito não pode ser dito, frase que copio de Wittgenstein: experiências têm um aqui-e-agora que não se transmite. Descobri que a memória é como um dicionário de conceitos acoplado a cenas marcantes em que alguns detalhes são preservados e outros se perdem: assim o passado repassa-me em fragmentos de ação e emoção. Revendo os personagens, concluo que tanto os justos quanto os canalhas me foram úteis; fico devendo, a uns pelo que me iluminaram e a outros pelo que me tornaram mais forte.

Aí entra o que mais me orgulha: nunca fiz mal a ninguém, nunca explorei ninguém, nunca cedi além do que devia.

Paguei caro por isso, mas valeu a pena.

Devo muito ao excelente colégio público em que estudei, às universidades públicas que cursei sem pagar um centavo por isso – coisa linda do Brasil. Ficaram-me dois compromissos que procuro honrar: com minha classe de origem e com o país que me deu tudo isso.

O último capítulo de minha história começa agora.

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