“Ninguém pratica um aborto gostando de passar por essa situação de vida”, diz Defensora Pública

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Publicado em Justificando – 

O atendimento do Estado à mulher que sofreu violência ainda não se humanizou o suficiente. Essa é a revelação da Defensora Pública do Estado de São Paulo, Juliana Belloque, ao Justificando Entrevista, que acredita que os agentes públicos ainda não estão preparados para acolherem as vítimas de violência doméstica, ou de estupro, que procuram ajuda.




https://youtu.be/A8QO4qpCR4I

Juliana, que também é membra do CLADEM – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, analisa que a culpa não é particularmente dos profissionais, mas é “uma questão sistêmica mesmo”. “A gente quer resolver o processo, como se um provimento, a palavra final de um juiz resolvesse a vida daqueles pessoas”, critica a Defensora.

“Ninguém pratica um aborto gostando de passar por essa situação de vida”

Atualmente criminalizado no Brasil, o aborto é uma face mortífera que ceifa vidas de mulheres todos os anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, a quinta causa de morte materna se deve ao abortamento clandestino. Para Juliana, isso mostra que tornamos um “problema de saúde em caso de delegacia de polícia, a face mais dramática da violência institucional sofrida hoje pela mulher no país”.

São pouquíssimos os casos que chegam ao sistema de justiça. Ao contrário do que se pensa, são poucos os casos que vão para o Júri Popular. Paira o medo, ao mesmo tempo em que há “uma aceitação social” que a prática aconteça, revela Juliana. No entanto, apenas as mulheres mais endinheiradas conseguem realizar seus procedimentos em clínicas clandestinas de luxo; já às mulheres mais pobres, resta, muitas vezes, a agulha de costura ou o uso errôneo de medicamentos.

Apesar de todo o sofrimento, e de toda a solidão, ainda existem aqueles que dizem que a descriminalização do aborto incentivaria mulheres a abortarem. A experiência no mundo prova o contrário: segundo a advogada, há um decréscimo nos números de abortamentos nos países que legalizam a prática. “É por isso que se a gente descriminaliza, acolhe essa mulher, explica para ela, dá alternativas a ela, dificilmente ela realizará um novo aborto”, finaliza.

Abortamento como política publica

“A gente tem que enxergar o aborto numa perspectiva de política pública. É uma dicotomia completamente equivocada essa de que quem é a favor da descriminalização é contra a vida, e quem quer mais punição é a favor da vida. Pelo contrário, a gente está defendendo a vida: dessas mulheres que estão morrendo por conta de abortamentos inseguros, e pela vida saudável dessas crianças que precisam nascer em um ambiente sadio. É aquilo que falam, quer se ver muita alma no feto, e nenhuma na criança de rua que está precisando de uma mão para ser estendida.”

Retrocesso na Câmara, avanço nas ruas

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 5069/13, de autoria do deputado Eduardo Cunha, que dificulta o aborto nos casos de estupro. Desde 1940, o procedimento nesse caso é permitido pelo art. 128, II, do Código Penal. Caso seja aprovado o projeto, “tamanhos são os entraves, os procedimentos jurídicos, que praticamente se extinguirá esse direito”, afirma a Defensora, o que, para ela, “é um crime, é um crime de tortura psicológica” à vítima e também à criança.

Saiba mais sobre o PL 5069 no texto de Gabriela Almeida

Mas, o momento não é só de lamentações. Em reação ao projeto do presidente da Câmara, uma onda de mulheres tomou as ruas nas últimas semanas contra ao retrocesso do projeto proposto por Cunha, reinvindicando seus direitos e também pedindo pela descriminalização do procedimento. Meninas, mães e avós de todas as classes sociais. Um “movimento de rua muito bonito de se ver”, uma “primavera feminista”, que tem atingido a todas. Não foi de todo o mal.

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