Por Talita Berdinelli para El País –
Poucas coisas se tornaram unanimidade no Brasil nos últimos anos, como o Bolsa Família. Todos os candidatos têm propostas de mantê-lo, com variações no modelo de gestão. Criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi no Governo Lula que ele ganhou força, com a expansão para todo o país. Num primeiro momento, despertou amor e ódio, pois se era implementado com a legítima função de tirar o Brasil das vergonhosas estatísticas de pobreza, o benefício era apontado como um instrumento eleitoral, que acomodava as famílias de baixa renda para que não trabalhassem.
Mas, quem acompanha o assunto, garante que ninguém quer deixar um cartão de Bolsa Família como herança para seus filhos. Hoje, 1,7 milhão de famílias já deixaram voluntariamente de receber o benefício, declarando que não precisam mais dele. Há, ainda, mais 1 milhão de famílias que pararam de ir atrás, embora não tenham informado o motivo.
Durante o Governo Dilma, o programa ganhou algumas inovações importantes, como a oferta de cursos técnicos para quem recebe o benefício. Um milhão de bolsas para qualificar interessados foram disponibilizadas através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e a Emprego (Pronatec). “Foi uma surpresa o retorno. Tínhamos o plano de garantir um milhão de vagas até dezembro deste ano, mas já temos 1,36 milhão de pessoas de baixa renda cursando os programas do Pronatec”, relata a ministra de Desenvolvimento Social, Tereza Campello. Hoje, o Governo coleciona os relatos de quem encontrou uma profissão e deixou o cartão, como Raquel dos Santos, mãe de três filhos, que se tornou auxiliar de cozinha num dos cursos ofertados pelo projeto do Governo.
“Muita gente acredita que os pobres são pobres porque não trabalham. Mas metade dos que estão no Bolsa Família não trabalham porque têm menos de 14 anos. E entre os adultos, 75% trabalham. Há pessoas que estão empregadas e complementam renda com o BF, mas isso não quer dizer que essas pessoas são preguiçosas”, diz Campello. A experiência deu certo, e é reconhecida mundo afora, como mostrou o relatório da ONU sobre fome, divulgado na semana passada, apontando o Brasil como referência no combate a essa mazela. “Agora que o Bolsa Família deu certo, ninguém tem coragem de tirar”, afirma a ministra.
Houve, ainda, outras mudanças sob o comando de Rousseff. Uma foi a introdução do complemento de renda para aqueles beneficiários que continuavam na extrema pobreza (vivendo com 1,25 dólar ao dia), e que melhoraram um pouco a sua condição de vida (com renda diária de 2,50 dólares), embora continuem no que conceitualmente se conhece por pobreza.
A outra foi a criação do sistema de Busca Ativa, as missões do Governo que começaram a ir atrás das famílias extremamente pobres por rincões do país. Pessoas estas invisíveis, que muitas vezes não tinham nem documentos, e nem sabiam que poderiam ganhar um benefício social. “O Estado passou a ser pró-ativo, e assim mais de 1,2 milhão de famílias foram localizadas nestes anos de administração Dilma”, relata. A outra inovação importante foi a oferta dos cursos de qualificação profissional. “Construímos uma estratégia, organizada, de inclusão e inserção econômica”, diz Campello. Foi assim que 22 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza nos anos de Rousseff, segundo a ministra do Desenvolvimento Social.
Para Renato Meirelles, presidente do Data Popular, agência especializada em informações econômicas da população de baixa renda, essa oferta dos cursos é fundamental para a evolução do projeto de BF no Brasil. “É algo fundamental para dar dignidade aos pais que recebem o benefício”, diz ele. “Pois se enganam aqueles que acham que o BF acomoda. Tudo o que esse sujeito quer é um emprego com carteira assinada”, afirma. Na visão de especialistas, este seria o caminho natural para dar continuidade ao combate à pobreza no Brasil, até o ponto em que um dia o benefício fosse extinto porque ninguém mais vai precisar dele.