Por Luis Nassif, compartilhado de Jornal GGN –
Nirlando acompanhou Mino em todas as empreitadas, no jornal A República, na revista Senhor e, depois na Carta Capital
Conheci Nirlando Beirão pouco antes de sair da revista Veja. Era pouco mais velho do que eu e chegara de Belo Horizonte. Fazia parte de uma geração de mineiros amantes das letras e da elegância no trato e no texto. E também da ironia fina. Gente da estirpe dele, de Humberto Werneck, Marco Antonio Rezende, seguindo o pioneirismo de Ivan Angelo, Geraldo Mayrink.
Saí da Veja em 1979, Nirlando saiu em 1977, acompanhando Mino Carta. A carreira de jornalistas de primeiro time é curiosa. Sempre mantém o nível, mas há momentos em que um tipo de texto se destaca, como uma pintura colorida sobre um quadro branco e preto. Nirlando teve vários desses momentos, o primeiro dos quais na própria Veja. E olha que não era fácil se enquadrar no estilo estereotipado da revista, com suas laudas de linhas de 37 toques, títulos com 16 caracteres e adjetivação abundante – e, muitas vezes, pouco seletiva.
Naqueles anos 70 e 80, a Editora Abril enveredou por uma espécie de jornalismo digamos fútil-sofisticado, Visava um público específico, que emergira da fase de ouro das agências de publicidade, pessoal que frequentava o Riviera, gostava de Godard, bebia muito uísque e apreciava a sensualidade elegante. Foi um período em que se sobressaíram as revista Playboy, Vip, Caras e outras. Nirlando seguiu esse caminho, com a competência de sempre até emplacar, durante algum tempo, uma coluna social no Estadão.
Mas sua referência maior sempre foi Mino Carta. Em 1986, quando enfrentei o então Ministro da Justiça Saulo Ramos, e fui abandonado pela Folha, uma entrevista na revista Senhor, concedida a Mino e a Nirlando, me permitiu juntar forças para prosseguir na briga.
Nirlando acompanhou Mino em todas as empreitadas, no Jornal da República, na revista Senhor e, depois na Carta Capital. Anos atrás fui a um jantar na casa de Mino, presente Nirlando. Era encantadora a maneira como ambos esgrimiam marcas de vinho, cinema italiano e francês, literatura e conceitos civilizatórios. Eram lordes em uma terra de bárbaros.
A doçura de Nirlando impediu que fosse para a linha de frente contra o jornalismo que surgiu em meados dos anos 2.000, repleto de violência, factoides, discurso de ódio. Mas nunca abdicou de seus princípios, mesmo quando a abjuração era condição essencial para reabrir portas na grande imprensa. E, sempre que nos encontrávamos, manifestava sua indignação contra a deturpação da profissão, o corporativismo dos colegas, a submissão ao anti-jornalismo que começou a ser praticado e que resultaria, anos depois, no fenômeno Bolsonaro.
Meu último contato com ele foi no lançamento de seu último livro, no qual narra a saga familiar. A doença já tinha dominado seu corpo. Em vez de autógrafo, ele usava um carimbo. Mas os olhos continuavam vivos e emocionados. Sua maneira de se comunicar era olhando e, através do olhar, manifestando carinho, acolhimento, e todos os afetos que sempre foram a marca central da personalidade de Nirlando.