Por Felipe Betim, compartilhado de El País –
Com sétimo maior IDH do Brasil, cidade foi a primeira do Rio a confirmar um caso de covid-19 e desacelerou a expansão da doença com medidas de isolamento e reforço na estrutura de saúde
Enquanto a cidade —e todo o Estado— do Rio de Janeiro se aproxima do colapso sanitário, do outro lado da ponte a cidade vizinha mais rica parece enfrentar a pandemia de coronavírus com um pouco mais de tranquilidade. O município de Niterói, conhecido por ter o sétimo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais alto de todo o país, vem buscando desde janeiro se antecipar à covid-19 com uma série de medidas sociais, econômicas e sanitárias. Com 500.000 habitantes, foi a primeira cidade a adquirir testes rápidos —um total de 50.000― da China e da Coreia do Sul com o objetivo de testar 10% de sua população ao longo de dois meses. “Estamos vencendo até aqui a batalha pela vida, mas é necessário que a sociedade compreenda que ainda não chegamos ao momento mais dramático dessa crise e que o distanciamento social é muito importante”, afirma o sociólogo e prefeito Rodrigo Neves (PDT) em entrevista por telefone.
Até quarta-feira, 06 de maio, Niterói havia confirmado 527 casos de covid-19 e 33 óbitos. A cidade do Rio, com uma população aproximadamente dez vezes maior, registrou 8.577 casos e 764 mortes —isto é, mais de 20 vezes mais que a vizinha Niterói. Outros municípios mais pobres da região metropolitana do Rio também vêm registrando mais óbitos, como Duque de Caxias (98 mortes). Em todo o Estado do Rio são 13.295 casos e 1.205 óbitos confirmados, ficando atrás apenas de São Paulo.
A explicação pelo desempenho melhor durante a pandemia passa por outros dados da cidade, que registrou um PIB per capita de mais de 55.000 reais em 2017 (o país inteiro registrou pouco mais de 31.000 reais naquele ano), um rendimento mensal médio de 3,1 salários mínimos por trabalhador formalizado, 100% de esgoto tratado. Nos últimos meses, porém, especialistas também têm apontado Niterói como exemplo de cidade que seguiu os mais elevados parâmetros internacionais no enfrentamento do coronavírus. “Já em janeiro, quando a epidemia se consolidou na China, constituímos uma força tarefa com epidemiologistas e infectologistas para enviar pareceres e análises do que estava acontecendo”, conta o prefeito. “Desenvolvemos protocolos de informação do setor público e privada pra desenvolver programas de treinamentos e identificar os EPIs e insumos necessários caso a pandemia eventualmente chegasse”.
A principal medida é a testagem em massa da população. Enquanto o Ministério da Saúde fala sobre a impossibilidade de examinar todo o país, devido ao tamanho de sua população, Niterói pretende atingir uma proporção de testes maior que países inteiros. “Temos 50.000 testes para aplicar ao longo de dois meses da epidemia. O Brasil aplica um teste para 2.800 habitantes. Nos Estados Unidos, é um teste para 150 pessoas. Coreia do Sul, considerado o modelo exemplar, é um teste para 100 habitantes. Nós queremos aplicar um teste para cada dez habitantes. Já estamos fazendo isso”, explica o prefeito. A prioridade, como em outras cidades, são os profissionais da saúde, segurança e ordem pública, além dos moradores das favelas. “É incompreensível que o Brasil, com a dimensão que tem, não esteja produzindo testes e respiradores em massa e dependa de outros países. Esse atraso vai ser trágico para as cidades”, critica Neves.
Outra prática similar a da Coreia são os centros para que os moradores de baixa renda façam o isolamento social. Há dois sábados, 600 leitos foram abertos em centros de educação pública da cidade, que também contam com enfermarias, refeitórios, assistência social e psicólogo. “As equipes do Médico de Família vão persuadir a ir para esses centros para recuperar a saúde para, depois, voltar para a casa e sua comunidade sem risco de contaminar ninguém”, explica Neves.
Paralelamente, a Prefeitura arrendou hotéis para abrigar a população que mora nas ruas da cidade. “A classe média tem apartamento com três quartos, mas já imaginou o que acontece na região metropolitana se alguém, mesmo com sintomas leves, não tem condição de fazer o isolamento? É uma tragédia”, explica. Outra medida, voltada sobretudo para a população mais pobre, foi “a limpeza e sanitização das 90 maiores favelas, ruas, vielas e bairros de Niterói com quaternário de amônia [de quinta geração]”, o mesmo produto usado na China para desinfectar suas cidades.
Plano para conter a pandemia
Quando a pandemia finalmente chegou, Niterói foi a primeira cidade do Rio a confirmar um caso de coronavírus e a segunda a confirmar um óbito. “A cidade tinha tudo para viver uma tragédia. Tem a maior proporção de famílias das classes A e B do Brasil, uma classe média globalizada que viajou para o exterior em janeiro e fevereiro e uma proporção de idosos que pode chegar a 30% em bairros como Icaraí, taxa similar a da Europa”, explica Neves. “E, como no resto do Rio, essas pessoas vivem próximas a territórios e regiões com maior adensamento humano e de pessoas de menor renda, além do trânsito com a capital”, acrescenta.
Assim, já na primeira quinzena de março Niterói formou um gabinete de crise “integrando várias secretarias da Prefeitura e estruturando um plano” estruturado em cinco pilares, segundo conta o prefeito: o isolamento social —a cidade foi a primeira do país a fechar suas praias—, a proteção social, a salvaguarda da economia local, o fortalecimento da rede de saúde pública e a comunicação em massa. Neves estima um investimento total de 300 milhões de reais ao longo dos meses da pandemia.
Entre as medidas também está a transformação de quatro hospitais das quatro regiões administrativas da cidade em referência para tratamento da covid-19, a abertura de 140 leitos de enfermaria e UTI até a segunda quinzena de maio, a contratação de 1.300 funcionários de forma emergencial via chamamento público. A prefeitura também arrendou um hospital privado parado, construído há dois anos, e o transformou num centro de excelência para tratamento do novo vírus.
No momento em que o Congresso Nacional debatia uma renda básica emergencial, a Câmara de Vereadores de Niterói aprovava por unanimidade, no dia 31 de março, um auxílio emergencial de 500 reais mensais para 52.000 famílias de baixa renda (cerca de 220.000 pessoas), sendo 35.000 do cadastro único, 7.000 de microempreendedores individuais (MEI), além de catadores, pescadores, artesãos, taxistas, motoristas de vans escolares e trabalhadores da economia solidária.
Para amenizar o impacto na economia local, a Câmara também aprovou o programa “Empresa Cidadã”, que prevê que em empresas com até 19 funcionários, a Prefeitura arque com até um salário mínimo de até nove deles durante três meses, sob o compromisso de que essas firmas não demitam ninguém por seis meses. O plano, explica o prefeito, é voltado “sobretudo para o pequeno comércio, que está sofrendo muito”, e pretende salvar o emprego de 10.000 trabalhadores e 2.000 empresas. Também foi aprovado uma parceira com o setor financeiro que prevê 150 milhões de reais em créditos a serem concedidos a pequenas e médias empresas e profissionais liberais que precisam de capital de giro. Os empréstimos variam de 25.000 a 250.000 reais, com seis meses de carência, e podem ser pagos em até 36 meses a juros zero. “A prefeitura é quem vai pagar 2% ao mês de juros para os bancos”, explica Neves.
O prefeito, que também garante ter distribuído um milhão de máscaras para a população após fazer parceria com 32 pequenas confecções, afirma que o governador Wilson Witzel tomou as medidas corretas para evitar a circulação de pessoas. Mas sobre o Governo Jair Bolsonaro, afirma que “ainda não disse ao que veio, e é preciso que compreenda a gravidade da situação ou, sem ele, as cidades irão sucumbir”. Para ele, “abrir mão do isolamento social é condenar milhares, talvez milhões de brasileiro a morte”.