Por René Ruschel, publicado em Carta Capital –
Em Porto Alegre, partidários do ex-presidente se juntam para defender sua inocência e candidatura
Antes do amanhecer de segunda-feira 22, os primeiros manifestantes que chegavam a Porto Alegre cruzaram a Ponte do Guaíba, um dos cartões postais da cidade, para dar início à caminhada de cerca de 10 quilômetros até o anfiteatro Pôr do Sol, nas cercanias doTribunal Regional Federal da 4ª Região, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será julgado na quarta-feira 24. Pelas ruas, em coro, cerca de três mil pessoas gritavam “não vamos aceitar, o Brasil vai parar”.
Sob forte aparato militar, seguiram pelas ruas do centro da cidade e se dirigiram para o local escolhido como acampamento nesses dias de protesto e esperança. Três helicópteros sobrevoavam a marcha. Nas esquinas e praças, policiais da Brigada Militar fortemente armados com fuzis observavam. “O objetivo dessa mobilização pacífica e ordeira é que o povo brasileiro protagonize um processo de resgate da democracia, que foi golpeada em 2016” afirmou o ex-governador gaúcho Olívio Dutra.
O local escolhido fica à beira do rio Guaíba. As fortes chuvas que caíram sobre a cidade pela manhã fizeram com que milhares de jovens, idosos e crianças que corriam pelo gramado encharcado se escondessem sob as primeiras lonas improvisadas. O objetivo declarado do ato é garantir o direito de Lula ser candidato em 2018.
Roberta Luzzardi, engenheira agrônoma e professora na Universidade Federal de Pelotas (RS), trazia no colo o filho Inácio, de 11 meses. Militante dos movimentos sociais há quase 20 anos, via no filho o sentimento maior por estar presente nas manifestações. “Luto pelo meu filho, pelos nossos filhos, pelas gerações que ainda virão. Esse momento é histórico e fiz questão de estar aqui para apoiar a candidatura de Lula”, disse.
Os primeiros a chegar, em sua quase totalidade, eram assentados ou acampados oriundos do interior do Rio Grande do Sul. Jorge Luis Santos Melo, 56 anos, saiu de São Gabriel, a 500 quilômetros de Porto Alegre, onde há sete anos vive no assentamento Conquista do Caiboaté. Em uma área de 22,5 hectares, cria 44 cabeças de gado, 15 ovelhas, produz leite e sustenta a família. Para consumo próprio, mantém uma pequena produção de legumes e hortaliças orgânicos. Ao todo, 248 famílias vivem no assentamento.
Mas a vida já foi melhor. Melo se diz um “privilegiado”. Conseguiu construir uma casa, cercar a propriedade e ter uma infraestrutura de água e luz para a família. Essa não é a realidade da maioria, no entanto. “O governo Temer reduziu os financiamentos. Quem não tem garantias, não consegue financiamento nos bancos. Mais da metade dos assentados está deixando o campo para fazer bicos na cidade. Até nos assentamos chegou o desemprego”, conta.Filho de um lenhador, esse gaúcho de Tupanciretã sente saudade dos governos de Lula e Dilma. “A gente não tinha nenhum privilégio, mas era atendido em nossas necessidades”, afirma. Um dos sonhos da comunidade era conseguir uma sala de aula no assentamento para os filhos. “Tem criança que acorda às 3h50 da madrugada para ir estudar”.
A escola fica a 70 quilômetros do assentamento. Melo relembra que seus filhos caminhavam, todos os dias, 14 quilômetros a pé para pegar o ônibus que passava às 7h30 à beira da rodovia. “As 5 horas da manhã meus filhos saíam de casa”. A escola ainda não chegou. “Estou aqui para exigir nossos direitos. Grito pelos que ficaram lá, pelos que não puderam vir. Se a gente não lutar, ninguém vai nos enxergar” afirmou.
A solidariedade e o apoio à Lula ultrapassam as fronteiras. Cintia Ocampo, assistente social, e Florença Villa, estudante de Serviço Social, deixaram La Plata e Córdoba, respectivamente, em um grupo de doze pessoas para acampar em Porto Alegre. Integrantes do Movimento Popular Pátria Grande, se dizem vítimas do mesmo processo de pauperização que vive a Argentina no governo Macri. “Nós, argentinos, somos solidários para protestar nas ruas, mas não nos procedimentos. Essa divisão serve para enfraquecer nosso projeto e fortalecer os adversários” afirmou Villa.
Ambas reconhecem a influência e o peso político do ex-presidente Lula em toda a América Latina. “A crise política brasileira tem uma enorme repercussão na Argentina. Para nós, Lula é o modelo de governante que conseguiu mudar a face da miséria brasileira. Por que isso não pode acontecer na Argentina?”, questiona Ocampo.
Por serem estrangeiras, preferem não opinar sobre questões jurídicas que envolvem o ex-presidente. Mas sabem que, em todo o mundo, a justiça é igual em seus conceitos. “Acho muito estranho alguém ser condenado sem provas. Espero que Lula seja candidato em 2018. O Brasil e a América precisam de sua liderança política”, afirmou Villa.