No Brasil, agrotóxico (quase) não paga imposto

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, publicado em Projeto Colabora – 

O país deixou de arrecadar R$ 2 bilhões em razão da isenção fiscal à indústria em 2018. A redução no ICMS chega a 60%, e IPI tem tarifa zero

Aviao sobrevoando fazenda de soja para jogar agrotoxico. Foto de Mirian Fichtner
Avião sobrevoando fazenda de soja, no Oeste da Bahia, jogando agrotóxico na plantação (Foto de Mirian Fichtner)

Repousa sobre a mesa do ministro Edson Facchin, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação de inconstitucionalidade (ADIM) que questiona a concessão de isenções tributárias para os agrotóxicos. É de autoria do PSOL e foi protocolada em 11 de julho de 2017. Só no ano passado, o Brasil deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões com as isenções fiscais concedidas à produção de agrotóxicos. É um calote legal, dado que, na Constituição brasileira, está escrito que todos os “insumos essenciais” devem ser isentos de pagamento de imposto. Está lá no artigo 153, § 3º, inciso I e art. 155, §2º, inciso III. Mas quem define se o produto é ou não um “insumo essencial”? É uma decisão “política”, diz Naiara Bittencourt, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, entidade envolvida na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Em um momento de austeridade e de corte de direitos sociais, é um contrassenso manter benefícios fiscais para produtos, que, comprovadamente, causam danos e impactos à saúde humana e à biodiversidade brasileira

Naiara Bittencourt
assessora jurídica da ONG Terra de Direitos

Se o pente-fino prometido pelo ministro Paulo Guedes atingisse o setor, a indústria de agrotóxico poderia dar uma contribuição inestimável ao rombo das contas públicas. Ao assumir o Ministério da Economia, Guedes disse que iria rever as isenções fiscais em todos os setores. Mas nada afetou ou dá sinais de que afetará os benefícios aos agrotóxicos. Para Naiara, é bem mais grave do que isso: “Em um momento de austeridade e de corte de direitos sociais, é um contrassenso manter benefícios fiscais para produtos, que, comprovadamente, causam danos e impactos à saúde humana e à biodiversidade brasileira”.

Para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, US$ 1,28 vai para o tratamento de intoxicações agudas, segundo levantamento feito para o estudo “Uso de agrotóxicos e impactos econômicos sobre a saúde“, publicado na revista Saúde Pública. A exposição a estes produtos aumenta a incidência de câncer, doenças crônicas, malformação congênere e ainda provoca abortos. Os agrotóxicos são utilizados principalmente em culturas de commodities, como soja (campeã no uso) e milho. Cerca de 55% dos defensivos são consumidos apenas nas lavouras de soja.




Os benefícios fiscais funcionam assim: redução de 60% da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e tarifa zero para o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Só nesta semana, o governo liberou mais uma lista com 42 agrotóxicos. Vinte e três deles prejudicam o meio ambiente e estão catalogados nas categorias Altamente ou Muito Perigosos. Outros 18 são Extremamente ou Altamente Tóxicos para a saúde humana. Todos isentos de pagamento de impostos. Como a definição de “insumo essencial” é política, os agrotóxicos pegaram carona em outro produto: os adubos, estes sim insumos essenciais à produção.

Tributação verde

O estado vizinho do Paraná, Santa Catarina tomou uma decisão inédita. O governo do estado passou a tributar os agrotóxicos. Desde abril, entrou em vigor a Tributação Verde, uma lei que determina a cobrança de 17% do ICMS de agrotóxicos. A tributação passou a incidir sobre produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas e raticidas.  Pelos cálculos do governo de Santa Catarina, a isenção fiscal do ICMS gerava uma perda de recursos para os cofres públicas do estado de R$ 750 milhões. Como era de se esperar, a decisão vem encontrando resistência no setor produtivo, que alega alta no preço dos alimentos caso entre em vigor a taxação aos agrotóxicos.

A desoneração dos agrotóxicos acaba beneficiando grandes latifundiários e exportadores, sustentou o procurador Marcelo Novaes, da Defensoria Pública de São Paulo, durante a audiência pública “Isenção Fiscal de Agrotóxicos”, que ocorreu no último dia 27 de junho. “A crise fiscal do nosso país decorre disso: da transferência de renda da sociedade para agronegócio”, ele disse. O encontro foi promovido pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa). Na mesma audiência, o subprocurador da República Nívio de Freitas, coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, reforçou a tese defendida por Naiara, de que o benefício tributário estimula o uso dessas substâncias.

Hoje há uma produção e uma aplicação desenfreada justamente porque também há um incentivo. O benefício, neste caso, é um incentivo

Naiara Bittencourt
Advogada da ONG Terra de Direitos

Desde 2016 vêm crescendo o número de liberações de agrotóxicos no país, mas o governo Bolsonaro já bateu um recorde este ano: até maio último, foram aprovados 169 produtos, que, em quatro meses, superou o total autorizado no ano de 2015. O país já é o maior consumidor mundial de Glifosato, segundo dados do Atlas do Agrotóxico no Brasil e comparação com União Europeia. “Hoje há uma produção e uma aplicação desenfreada justamente porque também há um incentivo. O benefício, neste caso, é um incentivo”, analisa Naiara. Ela dá alguns exemplos, citando, por exemplo, o caso dos cigarros e das bebidas alcoólicas, que, ao serem taxados, acabam desestimulando o consumo desenfreado. No caso dos agrotóxicos ocorre exatamente o contrário: “Quando você tem uma isenção tributária, é totalmente o inverso – se incentiva o consumo”.

O exemplo mais bem sucedido no mundo é o da Dinamarca. O país nórdico passou a dar subsídios para os fazendeiros transformarem suas propriedades em fazendas orgânicas. Deu certo: 10% das fazendas do país baniram os agrotóxicos na produção agrícola.

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