Por Liana Melo, publicado em Projeto Colabora –
O país deixou de arrecadar R$ 2 bilhões em razão da isenção fiscal à indústria em 2018. A redução no ICMS chega a 60%, e IPI tem tarifa zero
Repousa sobre a mesa do ministro Edson Facchin, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação de inconstitucionalidade (ADIM) que questiona a concessão de isenções tributárias para os agrotóxicos. É de autoria do PSOL e foi protocolada em 11 de julho de 2017. Só no ano passado, o Brasil deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões com as isenções fiscais concedidas à produção de agrotóxicos. É um calote legal, dado que, na Constituição brasileira, está escrito que todos os “insumos essenciais” devem ser isentos de pagamento de imposto. Está lá no artigo 153, § 3º, inciso I e art. 155, §2º, inciso III. Mas quem define se o produto é ou não um “insumo essencial”? É uma decisão “política”, diz Naiara Bittencourt, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, entidade envolvida na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Se o pente-fino prometido pelo ministro Paulo Guedes atingisse o setor, a indústria de agrotóxico poderia dar uma contribuição inestimável ao rombo das contas públicas. Ao assumir o Ministério da Economia, Guedes disse que iria rever as isenções fiscais em todos os setores. Mas nada afetou ou dá sinais de que afetará os benefícios aos agrotóxicos. Para Naiara, é bem mais grave do que isso: “Em um momento de austeridade e de corte de direitos sociais, é um contrassenso manter benefícios fiscais para produtos, que, comprovadamente, causam danos e impactos à saúde humana e à biodiversidade brasileira”.
Para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, US$ 1,28 vai para o tratamento de intoxicações agudas, segundo levantamento feito para o estudo “Uso de agrotóxicos e impactos econômicos sobre a saúde“, publicado na revista Saúde Pública. A exposição a estes produtos aumenta a incidência de câncer, doenças crônicas, malformação congênere e ainda provoca abortos. Os agrotóxicos são utilizados principalmente em culturas de commodities, como soja (campeã no uso) e milho. Cerca de 55% dos defensivos são consumidos apenas nas lavouras de soja.
Os benefícios fiscais funcionam assim: redução de 60% da base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e tarifa zero para o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Só nesta semana, o governo liberou mais uma lista com 42 agrotóxicos. Vinte e três deles prejudicam o meio ambiente e estão catalogados nas categorias Altamente ou Muito Perigosos. Outros 18 são Extremamente ou Altamente Tóxicos para a saúde humana. Todos isentos de pagamento de impostos. Como a definição de “insumo essencial” é política, os agrotóxicos pegaram carona em outro produto: os adubos, estes sim insumos essenciais à produção.
Tributação verde
O estado vizinho do Paraná, Santa Catarina tomou uma decisão inédita. O governo do estado passou a tributar os agrotóxicos. Desde abril, entrou em vigor a Tributação Verde, uma lei que determina a cobrança de 17% do ICMS de agrotóxicos. A tributação passou a incidir sobre produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas e raticidas. Pelos cálculos do governo de Santa Catarina, a isenção fiscal do ICMS gerava uma perda de recursos para os cofres públicas do estado de R$ 750 milhões. Como era de se esperar, a decisão vem encontrando resistência no setor produtivo, que alega alta no preço dos alimentos caso entre em vigor a taxação aos agrotóxicos.
A desoneração dos agrotóxicos acaba beneficiando grandes latifundiários e exportadores, sustentou o procurador Marcelo Novaes, da Defensoria Pública de São Paulo, durante a audiência pública “Isenção Fiscal de Agrotóxicos”, que ocorreu no último dia 27 de junho. “A crise fiscal do nosso país decorre disso: da transferência de renda da sociedade para agronegócio”, ele disse. O encontro foi promovido pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa). Na mesma audiência, o subprocurador da República Nívio de Freitas, coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, reforçou a tese defendida por Naiara, de que o benefício tributário estimula o uso dessas substâncias.
Desde 2016 vêm crescendo o número de liberações de agrotóxicos no país, mas o governo Bolsonaro já bateu um recorde este ano: até maio último, foram aprovados 169 produtos, que, em quatro meses, superou o total autorizado no ano de 2015. O país já é o maior consumidor mundial de Glifosato, segundo dados do Atlas do Agrotóxico no Brasil e comparação com União Europeia. “Hoje há uma produção e uma aplicação desenfreada justamente porque também há um incentivo. O benefício, neste caso, é um incentivo”, analisa Naiara. Ela dá alguns exemplos, citando, por exemplo, o caso dos cigarros e das bebidas alcoólicas, que, ao serem taxados, acabam desestimulando o consumo desenfreado. No caso dos agrotóxicos ocorre exatamente o contrário: “Quando você tem uma isenção tributária, é totalmente o inverso – se incentiva o consumo”.
O exemplo mais bem sucedido no mundo é o da Dinamarca. O país nórdico passou a dar subsídios para os fazendeiros transformarem suas propriedades em fazendas orgânicas. Deu certo: 10% das fazendas do país baniram os agrotóxicos na produção agrícola.