A percepção de pobreza e riqueza numa sociedade brutalmente construída para ser excludente vai muito além de números
Por Omar Monteiro, compartilhado de A Pública
na foto: Jardim Pernambuco, no Leblon, no Rio: casas de milionários em meio à vegetação de um recanto que a maioria dos cariocas sequer sabe que existe. Foto divulgação
Estamos, os brasileiros, correndo atrás do próprio rabo na discussão se quem ganha R$ 50 mil por mês é rico ou não, o que me fez lembrar da minha infância no Morro do Pinto, região portuária do Rio, no fim da década de 1990. Meu pai, vigilante de banco à época, me levou para a casa de um grande amigo dele, o Bil, homem negro, com um braço torto devido a uma fratura que teve quando era criança no interior de Pernambuco. Enquanto conversavam, o almoço ficou pronto: arroz e feijão, servido numa lata de goiabada como prato. Isso me impactou de forma absurda. Fiquei olhando aquela comida, naquele prato, e pensando: caramba, eles não tem prato de vidro?
Lá em casa nunca teve fartura, mas também não houve miséria. Jamais faltou uma mistura, e nem prato de vidro. Já ali, naquela visita, fui criando consciência de que eu era pobre, mas tinha gente mais pobre. Um ano depois, meu pai pegou o bar, à época alugado, na Rua João Cardoso. Alguns amigos, na hora do almoço, compravam Tang, outros almoçavam com água; um, em especial, almoçava todo dia com Coca-Cola – e eu achava que ele era rico.
Outro amigo, filho de pais microempresários, além de Coca-Cola, todo dia comia um x-tudo no bar, que muitas vezes eu mesmo preparava. Tinha certeza que ele era rico.
Certo dia a mãe de um amigo foi se queixar para minha mãe. Chorando, disse que sua irmã, moradora do interior do Nordeste, estava quase morrendo de fome, há dias só bebia água com açucar para não morrer. Pensei: nossa, nem feijão com arroz em prato de lata e goiabada, isso que é pobreza, agora sei o que é pobreza.
Resultado dessas minhas pequenas vivências: num país como o nosso, tentar – através de números – definir quem é rico ou pobre é uma sandice. A percepção de pobreza e riqueza numa sociedade brutalmente construída para ser desigual vai muito além de números.
Engana-se quem diz que os pobres são invisíveis. Não são. Propositalmente não são. Invisíveis são os ricos, tão invisíveis que nos fazem pensar que rico, dentro dos nossos círculos, é quem come na lanchonete toda semana, é quem tem uns tênis brabos, é quem faz uma ou duas viagens por ano. É quem tem um carrão, ainda que financiado.
O processo de invisibilização dos ricos brasileiros é o que mantém essa estrutura de poder. O dia em que o povo souber quem são os ricos de verdade, seus costumes, seus hábitos, o que eles fazem através da exploração, aí, meu parceiro, é que a profecia do morro descer e não ser Carnaval pode se realizar. Enquanto isso não acontecer taticamente, pode esquecer esse papo de formação política.