Por João Almeida Moreira do Site Diário De Notícias –
Ministra do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome nos governos de Dilma Rousseff, a economista Tereza Helena Gabrielli Barreto Campello, 57 anos, teme “um genocídio” no Brasil quando o Coronavírus atingir a população carente do país. De Inglaterra, onde trabalha como pesquisadora convidada no Future Food Beacon na Universidade de Nottingham, Tereza Campello disse ao DN que “quando se anunciam medidas de prevenção do género ‘fique num quarto isolado’ ou ‘use casa de banho privativa’, essa informação não chega aos 80 milhões de pobres – não chega, no sentido, da comunicação, e não chega, no sentido em que não é suficiente”.
Na qualidade de ministra do desenvolvimento social e combate à fome do Brasil durante cinco anos, como acha que o país se está a preparar para o Coronavírus?
Eu acho que o risco está a ser subestimado e por isso o Brasil está muito atrasado. Aliás, o país desperdiçou as quatro grandes vantagens que tinha.
Quais eram?
A primeira era o vírus chegar mais tarde. O Brasil teve oportunidade de ver como a China o combateu, como a Coreia da Sul o combateu, como Taiwan o combateu, como a Itália o combateu. Quatro experiências diferentes, umas medidas adequadas, outras não. Mas o Brasil não aprendeu com essas experiências, o que foi uma burrice de todo o tamanho.
E quais as outras?
A segunda foi não aproveitar o Sistema Único de Saúde do Brasil [SUS, considerado o maior sistema público de saúde do mundo, abrangendo 100% da população], um programa que não tem paralelo no mundo, que a China não tem, que os Estados Unidos não têm. O SUS podia estar já operando em rede mas não está, é um descaso total. A terceira foi a experiência acumulada com o Vírus da Zika. Um vírus que começou no Brasil, descoberto no Brasil, cuja identificação do genoma foi obtida por cientistas brasileiros, hoje tão perseguidos por este governo. Na ocasião [finais de 2015, durante o segundo governo de Dilma Rousseff], tomamos medidas muito radicais logo de início, com todas as forças juntas e salas de comando integradas com os governos estaduais, combatendo o vetor, cuidando das pessoas e investindo recursos nas ciências.
E a quarta?
O Brasil é o único país com um cadastro único da população pobre – 80 milhões. Quando eu ouço as medidas de prevenção do género “fique num quarto isolado” ou “use casa de banho privativa” não quero acreditar. Essa informação não chega a esses 80 milhões – não chega, no sentido, da comunicação, e não chega, no sentido em que não é suficiente.
Isso leva a outra questão: o problema do Coronavírus tem sido até agora um problema muito do hemisfério norte. Está chegar ao menos desenvolvido hemisfério sul. Como será quando chegar às comunidades carentes do Brasil, por exemplo?
Será uma tragédia, um genocídio. No Brasil o Coronavírus será um genocídio. Quando se diz para os idosos se recolherem, esquece-se que os idosos pobres não têm cuidadores, não têm áreas isoladas nas suas casas, não têm alimentação especial. Quando se diz que isto é uma opção individual de cada um e que as pessoas não podem sair de casa, como é que se mantém em casas mínimas um monte de gente? As crianças não vão para a rua? Claro que vão para a rua. Na China, o vírus foi quatro vezes mais fatal nas áreas pobres do que nas ricas ou nas das classes médias. E no Brasil, dentro de uma só cidade, há desigualdades brutais. Além disso há outro problema iniciado por Michel Temer e continuado por Jair Bolsonaro.
Qual?
O trabalho informal que eles chamam de “empreendedorismo”. Há 40 milhões de brasileiros sem trabalho formal, da mulher-a-dias ao motorista de Uber, passando pelo entregador de comida. Eles têm um rendimento mas nem o podem comprovar. Esses não irão conseguir ficar em casa. Andarão de autocarros, de metro… Uma tragédia. Um genocídio.
Qual a culpa dos governos do PT – 13 anos no poder – nesse estado de coisas? Acusam-vos de não terem construído hospitais suficientes por causa do dinheiro desviado em corrupção?
Em primeiro lugar não há nenhum documento que prove que a corrupção nos governos do PT tenha sido maior do que noutros governos. O que houve foi a criação de mecanismos – como a delação premiada e muitos outros – durante os governos do PT que facilitaram a descoberta desses casos. Antes ficava tudo por debaixo dos panos. Por outro lado, nunca se investiu tanto em saúde como no tempo do PT: em Unidades de Pronto Atendimento [as UPAs, postos de saúde especializados em tratamentos de média complexidade] e em hospitais, porque a carência de leitos diminuiu muito, e já para não falar no programa Mais Médicos [estabelecido com Cuba], uma vez que em 700 municípios do Brasil, antes do PT, não havia médicos – não era falta de médicos, era nenhum médico!
Uma crise destas ganha ainda dimensão maior sendo Jair Bolsonaro o presidente?
Os países todos estão a enfrentar 1918, a crise sanitária da gripe espanhola, 1929, com o crash da Bolsa de Nova Iorque e a respetiva crise produtiva e económica, e 2008, o ano da crise financeira, ao mesmo tempo. O Brasil ainda enfrenta uma crise política – é a tempestade perfeita. Numa altura desta gravidade, o presidente briga com o Senado, com a Câmara dos Deputados e com o Supremo Tribunal Federal, ofende os governadores e os municípios e ainda desautoriza o próprio ministro da saúde, que está a tentar fazer face ao problema. Nem no pior dos piores, dos piores dos cenários se poderia imaginar um presidente assim.