Protestos deste sábado destacam: desfinanciamento do sistema afeta em especial a população preta. Pesquisadores (e um livro da Abrasco) reafirmam: não haverá direitos iguais na Saúde sem mudanças efetivas nas atuais políticas públicas
Por Flávio Dieguez, compartilhado de Outras Palavras
Amanhã, Dia da Consciência Negra e 50° aniversário dessa data, criada em 1971 (veja aqui um histórico interessante), as desventuras nacionais estarão no centro de manifestações que articularão as demandas das populações negras às dos brasileiros em geral. Espera-se que, em mais de 60 cidades (um número preliminar que deve crescer até amanhã), o grito de “Fora, Bolsonaro racista!” simbolize o protesto nacional contra o desemprego, os preços abusivos e as perdas de direitos. Mas a jornada destacará as consequências duradouras do colonialismo e da escravização. Entre elas, está o fato de que os negros continuam excluídos de direitos – inclusive na área da saúde.
“No contexto da pandemia, a discussão sobre o subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde), ficou muito mais nítida”, destaca, por exemplo, com muita propriedade, a pesquisadora Fernanda Lopes, do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). “E para a população negra ainda mais, porque é ela que mais depende dos serviços que compõem a rede do SUS”. Fernanda menciona um risco quatro vezes maior de mortes por covid para negros, em comparação à população branca.
Em vista disso, cresceu muito a reivindicação de uma atenção especial para os negros no âmbito do SUS, como meio de enfrentar a perda efetiva de direitos que deveriam estar garantidos. Esse parece ser o sentido da criação, pela Câmara dos Deputados, de uma comissão de juristas negros, tendo em vista a observação permanente das consequências do chamado racismo institucional. O que inclui a discussão de políticas de saúde, assim como de assistência social e segurança alimentar da população negra. Às vésperas do 20 de novembro, a comissão se diz pronta para apresentar seu relatório final.
A despeito das virtudes do SUS, muitos pesquisadores tendem, no momento, a priorizar a necessidade de aprimorá-lo. Uma das especialistas em racismo institucional ouvida pela Câmara, a médica Jurema Werneck, disse a Outra Saúde que considera a situação crítica. “A política nacional de saúde integral da população negra, aprovada há anos, foi engavetada”, resume ela, exemplificando o nível de dificuldade existente. Ex-conselheira nacional de Saúde, ela acrescenta que o SUS “precisa ser abertamente antirracista, como determinam a política nacional de saúde integral da população negra e a política nacional de saúde integral da população indígena”.
Diversas entidades jurídicas salientaram a questão dos direitos anunciando manifestações para amanhã, como o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo. Pretende unir, na cidade, o “Fora Bolsonaro” à denúncia “do racismo governamental, que fez crescer mortes e perdas de direitos da população negra”. Esses dois aspectos estão associados, muito especialmente, no primoroso livro eletrônico com o qual o Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Abrasco subsidiou o debate sobre as mudanças nas políticas públicas necessárias para mitigar o efeito da pandemia na população negra.
Lançado em setembro, População Negra e Covid-19 – Rebelião Negra, procura mostrar que a pandemia tem cor e afirma que 133 anos após a “Abolição”, negros ainda lutam por direitos. No capítulo com esse nome, Fernanda Lopes, citada acima, e Lúcia Xavier, também do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Abrasco, resumem seu pleito: “A saúde é o resultado de um conjunto de condições individuais e coletivas influenciado por circunstâncias de ordem política, econômica, ambiental, cultural e social. Logo, em muitas situações, a doença e a morte não são obras do destino ou fatalidade, mas, sim, de violação dos direitos”.