Como abordar um tema tão sério e denso como o assédio sexual infantil sem cair nas armadilhas do drama pesado e, ainda assim, manter a dignidade? A tarefa não é fácil, mas a atriz, roteirista e diretora francesa Andréa Bescond conseguiu. E mais: em seu primeiro filme.

A ideia original veio do teatro. Andréa Bescond e Eric Métayer transformaram a peça “Les Chatouilles ou la danse de la colère”, (escrita por ambos, a partir das experiências pessoais de Andrea) no filme “Inocência Roubada”, e provavelmente nem eles próprios poderiam imaginar no sucesso desta pioneira empreitada: o filme ganhou dois César, foi premiado em Chicago e Hamburgo, e competiu na prestigiosa mostra Um Certo Olhar, em Cannes.

A linha narrativa escolhida para contar a história de Odette (vivida pela própria diretora), assediada sexualmente ainda criança por um amigo da família, é a da alegoria. Como a protagonista é apaixonada por música e dança, o mundo estilizado dos palcos e dos shows se une à linguagem cinematográfica para transformar os traumas em alegorias.

A ideia pode não ser exatamente original, já que flerta diretamente com a estética dos musicais (mesmo não sendo propriamente um musical), mas funciona bem na contraposição com a gravidade do assunto.

Quebrando as convenções da lógica clássica narrativa e fazendo os protagonistas transitarem por caminhos que misturam o real e o inventado, “Inocência Roubada” resolve com intensidade e criatividade a questão da densidade dramática do tema. Sobra até espaço para um pouco de humor.

Sem querer dar spoiler, na realidade mais chocante ainda que a questão do assédio (que, afinal, sabemos ser o mote do filme desde o seu início) são as reações de ódio e conformismo da mãe da assediada, que praticamente condena a própria filha pelo ocorrido. Só aí já tem outro filme.