Quando Chico Buarque abriu e fechou o belíssimo show “Caravanas”, cantando “Minha embaixada chegou, deixa meu povo passar / Meu povo pede licença pra na batucada desacatar” muita gente se perguntou que versos eram aqueles. São de Minha embaixada, do genial compositor Assis Valente. É um samba cheio de vida e de alegria, de um criador que não era nem um pouco alegre.
Por LUÍS PIMENTEL, compartilhado de JB
Assis Valente no arquivo do JB cpdoc@jb.com.br
Talvez nenhum ser humano tenha tentado contra a existência (era assim que se dizia, tá até no lindo samba de Luís Reis e Haroldo Barbosa, “Tentou contra a existência, no humilde barracão, João de Tal…”) quanto Assis. Foram três tentativas; na última, no longínquo dia 10 de março de 1958, a mistura de guaraná com formicida encerrou a carreira musical de uns dos mais inspirados criadores que a Bahia exportou, a música brasileira adotou e Carmem Miranda se fartou de gravar.
As tentativas de suicídio anteriores – cortando os pulsos ou atirando-se do Morro do Corcovado – serviram apenas para os jornais deitarem e rolarem, as revistas de fofocas encontrarem “assunto relevante” e reforçarem na biografia do artista sua fama de atormentado. São inúmeras as falas de contemporâneos seus, artistas ou não, amigos ou não, aludindo a um certo temperamento “difícil”, “arredio”, “misterioso” e até “indeciso” de Assis Valente. Para alguns, dificuldades de se entender e relacionar com a própria sexualidade motivavam o provável “tormento”. Assis foi casado e teve uma filha; casamento e paternidade que geraram muita fofoca, maledicências, azedumes e polêmicas.
Mas o que ficou e o que conta é que José de Assis Valente foi um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Há confusões de registros quanto ao seu nascimento. Maioria das referências diz que foi em 1911, dia 19 de março, mas seus biógrafos Gonçalo Júnior e Francisco Duarte garantem que foi em 1908 – única data que conta com pelo menos uma prova, a certidão de nascimento reproduzida no livro A jovialidade trágica de José de Assis Valente (Martins Fontes/Funarte, 1988), de Francisco Duarte Silva e Dulcinéa Nunes Gomes. Há confusões também quanto à verdadeira cidade de nascimento, que pode ter sido Salvador, Santo Amaro, Alagoinhas ou até mesmo o distrito de Campo da Pólvora.
Sobre uma informação posso garantir que não há confusão nem controvérsias: Fez bobagem (“Meu moreno fez bobagem / Maltratou meu pobre coração”), Brasil pandeiro (“Brasil, esquentai vossos pandeiros / Iluminai os terreiros / Que nós queremos sambar”), Boas Festas (“Papai Noel / Vê se você tem / A felicidade / Pra você me dar”), Camisa listrada (“Pegou meu saco de água quente pra fazer chupeta / Rasgou minha cortina de veludo pra fazer uma saia”) ou Uva de caminhão (“Caiu o pano da cuíca em boas condições / Apareceu Branca de Neve com os sete anões / E na pensão de Dona Estela foram farrear / Quebra, quebra, gabiroba, quero ver quebrar”) estão entre os momentos mais ricos do nosso cancioneiro.
Quanto a isso não adianta fofoca, maledicências, azedumes ou polêmicas.