Publicado em Carta Maior –
Com tantos escândalos de corrupção aparecendo e desaparecendo da mídia, parece que as principais figuras da direita estão disputando o pódio da desfaçatez
A crise aberta no Judiciário brasileiro, com as acusações do ministro Gilmar Mendes ao Ministério Público, de abuso de autoridade, vazamentos e apologia de métodos ilegais na obtenção de provas da Lava Jato – respondida com dura nota da AMB, a Associação de Magistrados Brasileiros (confira a íntegra) – adicionou nitroglicerina pura ao ambiente já tenso da política nacional, na semana decisiva do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.
Uma capa leviana – mais uma – da revista Veja, lançando injustificável sombra de suspeita sobre o ministro do STF, José Antonio Dias Toffoli, motivou o bombardeio de Gilmar Mendes. A toga mais falante do país morde o próprio rabo, porém, ao criticar – corretamente – o abuso do método e do poder ilimitado do juiz e dos procuradores da Lava Jato.
‘São cretinos os que defendem o uso de meios ilícitos na obtenção de provas; no limite vamos admitir a tortura de boa fé?’, fuzilou o ministro do STF. Aplausos merecidos. Exceto por um detalhe: a condenação se aplica a boa parte do que tem sido as ações cometidas pelo aparato de Curitiba contra integrantes do PT e do governo, incluindo-se o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma.
O fato de Gilmar sentir-se confortável no convívio com ilegalidades dessa natureza, ou piores, enquanto a vítima eram os ‘vermelhos, os bolivarianos’, escancara os fios esgarçados do Estado de Direito na antessala de se cometer a maior de todas as transgressões dessa série: a cassação de uma Presidenta honesta, vítima de uma aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário partidarizado.
O golpe em marcha, que se pretende uma ‘rotina constitucional’, assume contornos uma verdadeira olimpíada da desfaçatez nos seus critérios, truculência e seletividade.
Nela, há atletas condenados, sem provas, enquanto outros podem queimar na largada, derrubar o sarrafo, ingerir estimulantes, sabotar o adversário e tomar atalhos para se instalar no pódio, mesmo sob vaias do público, sem que sejam punidos, nem desclassificados. Pior de tudo: agasalhados em uníssono pelo jornalismo uniformizado.
Esse escárnio em relação ao espírito olímpico imaginado pelo Barão de Coubertin é uma prática em franca expansão no ambiente político brasileiro. Com a cumplicidade de uma parte do aparelho judiciário, inclua-se aí o próprio Ministro Gilmar, o revezamento da mídia com a escória e as togas acumula sucessivos recordes no abuso de vazamentos e prejulgamentos para uns, seguido de indulgência e a tolerância para outros.
A competição pelo pódio da desfaçatez tem assumido ritmo vertiginoso na reta final do golpe.
Na última sexta-feira (26/08), a PF indiciou o ex-presidente Lula, sua esposa Dona Marisa, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula (IL) e Léo Pinheiro da OAS no inquérito (IPL 1048/2016) que investiga o triplex do Condomínio Solares, no Guarujá (confira a íntegra). Acusação: crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica (UOL, 26.08.2016).
O presidente e a esposa teriam sido beneficiários de obras num imóvel que não lhes pertence.
Neste domingo 28 de agosto de 2016, o vazamento da delação de Léo Pinheiro, pelo panfleto VEJA, não gerou manchetes dominicais, mas chamadas de capa nos impressos e nos onlines. No título dessas reportagens, todo destaque às delações envolvendo petistas; as acusações contra os tucanos permanecem no meio das reportagens.
É preciso ler o texto para saber o que o ex-presidente da OAS mencionou sobre o Rodoanel, envolvendo José Serra; ou sobre as obras da Cidade Administrativa em Minas Gerais, durante o governo Aécio Neves (FSP, 27.08.2016) e (OGLOBO, 28.08.2016). Durante o sábado, inclusive, a chamada da Folha: “Triplex de Lula era parte de propina ao PT, diz Léo Pinheiro” permaneceu em destaque no UOL.
No domingo, no impresso de O Globo, a chamada “Lava-Jato denunciará Lula” e no online “Procuradores preparam denúncia contra Lula por tríplex e sítio” (online). Citando uma “fonte que acompanha o caso”, o jornalão da família Marinho antecipa que os procuradores da Lava Jato “estão preparando denúncia” contra o ex-presidente Lula.
“Para investigadores, as provas são suficientes para apresentar acusação formal contra o ex-presidente à Justiça Federal, mesmo sem a propalada delação do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro”, diz a reportagem do jornalão da família Mesquita (OGLOBO, 28.08.2016).
Mais sóbrio, o Estadão optou por “OAS implica Lula, Dilma e tucanos”, em seu impresso, e “OAS implica Lula, Dilma, Aécio, Serra em tratativas de delação, diz revista” no online (OESP, 27.08.2016).
Não ficou nisso o rally dos últimos dias.
À frente da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro negou o pedido de transferência para a Justiça Estadual Paulista das investigações sobre o ex-presidente Lula (OESP, 16.08.2016). O pedido se justifica, segundo a defesa, porque o triplex e o sítio de Atibaia localizam-se em São Paulo, onde a jurisdição deve ser prestada.
Abraçando a acusação do MPF, Moro afirmou em seu despacho:
“A hipótese investigatória que levou à instauração dos inquéritos, de que o ex-Presidente seria oarquiteto do esquema criminoso que vitimou a Petrobrás e que, nessa condição, teria recebido, dissimuladamente, vantagem indevida, define a competência deste Juízo, sendo a correção ou incorreção desta hipótese dependente das provas ainda em apuração nos inquéritos.” (confira a íntegra).
Ou seja, recusa-se o pedido, enquanto se buscam as provas.
Ponto no placar.
O cerco ostensivo à figura do ex-presidente, noticiado com tambores de uma campanha política pela mídia, emenda-se ao abuso da condução coercitiva de que foi vítima em março de 2016. Os pedidos do MP-SP de prisão provisória do ex-presidente, também. O vale tudo dos interesses determinados a destruir a liderança popular mais importante da história brasileira teve no grampo ilegal do telefonema entre Lula e Dilma – vazado arbitrariamente por Moro — uma síntese da marcha da desfaçatez.
As palavras de Geoffrey Robertson, advogado do ex-presidente Lula que também defendeu Julian Assange, são precisas: “Lula está recorrendo à ONU porque ele não conseguirá Justiça no Brasil sob o sistema inquisitório em vigor” (El País, 29.07.2016).
No mesmo dia em que o juiz Moro bradava sua competência, o STF determinava abertura de um inquérito contra a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, por tentativa de obstrução das investigações da Lava Jato. O requerimento originava-se de um aplicado atleta do pódio em disputa: Rodrigo Janot, o Procurador Geral da República (EBC, 16.08.2016).
Completando a arrancada, o ministro Gilmar Mendes (STF), hors concours e proeminente detentor de uma coleção de medalhas no gênero, determinava a abertura de uma representação contra o PT que pode, ainda, resultar na cassação do registro do partido (G1,06.08.2016). Confira no The Intercept Brasil excelente reportagem sobre o ministro (TI, 21/08/2016).
Façamos justiça: é difícil escolher entre titãs que se superam a cada curva da pista.
A abertura do processo contra o PT, aliás, aconteceu na mesma semana em que os delatores da Odebrecht citaram o pagamento de R$ 10 milhões, a pedido de Temer, em favor do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e Paulo Skaf (FIESP), em 2014 –e de R$ 34,5 milhões da construtora ao caixa dois da campanha de José Serra, em 2010 (OESP, 06.08.2016).
O escândalo surgiu no noticiário em um dia, desapareceu no outro. Feito característico do jornalismo relâmpago, que também disputa o ranking da desfaçatez.
Confira abaixo alguns desempenhos que confirmam o renhido confronto de credenciais da mídia e do judiciário ao ouro nessa modalidade:
Michel Temer
O presidente interino e golpista já foi citado por cinco delatores na Lava Jato e aparece em planilhas sob investigação da PF. A última acusação partiu do empresário Marcelo Odebrecht, repetimos: R$ 10 milhões ao PMDB, em 2014, a pedido de Temer (OESP, 06.08.2016).
Dois meses antes, delação homologada pelo STF, de Sérgio Machado ex-presidente da Transpetro, mencionava o envolvimento do então vice-presidente decorativo com a doação de 1,5 milhão, pagos pela Queiroz Galvão, ao diretório do PMDB. A soma, sustentava o delator, saía de contratos que a construtora possuía junto a Transpetro (G1, 15.06.2016).
Temer apareceu já no início da Lava Jato, em 2014, em planilhas apreendidas pela PF na casa de um executivo da Camargo Corrêa (OESP, 08.12.2014). Em agosto de 2015, seu nome surgia na delação de Júlio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, que mencionou um suposto envolvimento entre ele e o lobista Fernando Soares (OESP, 22.08.2015).
Em dezembro, também surgiram indícios, reunidos por Janot, de que Temer teria recebido R$ 5 milhões de Léo Pinheiro, presidente da OAS (FSP, 19.12.2015). O mesmo Léo Pinheiro que agora tem a delação anulada por conta de “vazamentos ” (confira adiante).
Em março de 2016, o senador cassado Delcídio do Amaral chegou a afirmar que Temer era “padrinho” de João Augusto Henriques, ex-diretor da BR Distribuidora, operador do escândalo envolvendo a empresa, entre 1997 e 2001 (OESP, 15.03.2016). Frise-se, governo FHC.
Em junho deste ano, após a posse em 12 de maio, Rodrigo Janot (PGR) afirmava que todas essas referências eram indiretas, portanto, insuficientes para abertura de um inquérito (OGLOBO,03.06.2016).
Como veremos a seguir, um tratamento diferenciado ao recebido pelo senador Aécio Neves que, pelo menos, teve de prestar esclarecimentos.
As delações que se sucederam receberam especial apagão na mídia golpista. Temer nega todas as acusações.
José Serra
O nome do chanceler comprador de votos surgiu, nesta semana, na delação de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAE, à Lava Jato. Ele cita um esquema de propina nas obras do Rodoanel Sul durante a gestão Serra (2007-2010), em São Paulo: “na licitação, com contrato assinado em 2007, havia um convite de 5% de vantagens indevidas para Dario Rais Lopes [secretário de Transportes de Serra] e Mário Rodrigues [diretor de engenharia]”, afirma.
Em resposta, a assessoria de Serra questiona a data de assinatura do contrato e aponta que os diretores mencionados não continuaram em seus cargos na nova administração. Em suma: Serra joga a bomba para Alckmin, governador de São Paulo entre 2001 a 2006 (FSP, 27.08.2016)
Há dois meses, os executivos da OAS anunciavam que a presença do tucano em meio a lista de quase cem políticos, sobre os quais eles dariam informações detalhadas (FSP, 14.06.2016). Mas, não só na lista da OAS surge o nome de Serra. Seu nome estava, também, na famosa lista da Odebrecht (Congresso em Foco, 24.03.2016).
No começo do mês, Serra foi citado por funcionários da Odebrecht que apontaram o pagamento de R$ 34,5 milhões pela construtora para o caixa dois de sua campanha de 2010 (FSP, 07.08.2016). O jornalismo isento declina da pauta.
Vale recordar, ainda: Gregório Preciado, ex-sócio e familiar do tucano que surgiu em duas delações: uma do doleiro Fernando Baiano, operador do PMDB; e outra do ex-senador Delcídio do Amaral (CC, 26.11.2015). A suposição é a de que ele estaria envolvido em pagamento de propinas. Tema desinteressante na ótica dos pauteiros dominantes.
Atual ministro das Relações Exteriores, Serra nega as acusações.
Eliseu Padilha
Ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha também surgiu em delações na Lava Jato. Delcídio do Amaral afirmou que Padilha e Moreira Franco deram apoio à sua indicação para a Petrobras em 1999, ainda no governo FHC. O ministro nega a indicação; Moreira Franco confirma, mas nega ter recebido favorecimentos. (OGLOBO, 25.04.2016).
Padilha também aparece na delação de Marcelo Odebrecht. Dos R$ 10 milhões repassados a pedido de Temer ã construtora, R$ 4 milhões teriam como destino o bolso de Padilha e R$ 6 milhões a Paulo Skaf, o homem do pato (OESP, 06.08.2016)
Vale destacar que Eliseu Padilha é réu em uma ação civil de improbidade administrativa, acusado de ordenar o pagamento superfaturado de R$ 2 milhões a uma empresa, no escândalo conhecido como Máfia dos Precatórios, durante o governo FHC. Na época, Padilha chefiava o Ministério dos Transportes (FSP, 17.05.2016).
Destacamos, ainda, duas reportagens recentes na Carta Capital sobre a atuação do ministro de Temer: uma sobre a disputa bilionária do PMDB no porto de Santos (confira aqui); a outra sobre a Geap Autogestão em Saúde (confira aqui).
Romero Jucá
Ex-ministro Todo Poderoso de Temer, Romero Jucá (PMDB – RR) foi recentemente citado na delação de Flávio Barros, ex-executivo da Andrade Gutierrez que afirmou ter conhecimento do pagamento de R$ 30 milhões em propina a Jucá pelas empreiteiras Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e OAS, entre 2010 e 2012 (OESP, 20.07.2016). Ele também aparece nas delações de Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras; do doleiro Alexandre Yousseff; na de Delcídio do Amaral e na de Sérgio Machado.
Alvo de dois inquéritos no STF, Jucá nega as acusações.
Em maio, foram vazadas conversas entre ele e Machado: Jucá alertava para a necessidade de “estancar a sangria” da Operação (FSP, 23.05.2016). Com o vazamento, Jucá perdeu o cargo de ministro do Planejamento, apesar de continuar interferindo nas decisões do governo golpista.
Governo FHC
Em fevereiro de 2015, Pedro Barusco, o ex-gerente da Petrobras, delatou à Lava Jato que o pagamento de propina na estatal acontecia desde 1997, quando do primeiro contrato de navios-plataforma da estatal com a holandesa SBM Offshore, portanto no governo FHC (OESP, 05.02.2015).
No Jornal Nacional daquela noite (confira aqui e aqui), a vexatória tentativa de diferenciar propina enquanto “deslize individual” no governo FHC e “esquema de corrupção” nos governos petistas. Em dezembro de 2015, a PF e o MPF deflagraram uma operação para apurar esses desvios (CC,17.12.2015).
A partidarização da mídia também se manifestou quando da delação de Nestor Cerveró, no começo deste ano. O ex-diretor da Petrobras mencionou um suposto recebimento de propina pelo governo FHC, no valor de US$ 100 milhões, pela venda da empresa argentina Pérez Companc. “Essas coisas não são investigadas”, afirmava Cerveró (confira trecho do vídeo da delação).
FHC negou a acusação. A pauta evaporou do noticiário. (OESP, 11.01.2016).
Meses depois, Cerveró afirmaria ter recebido, durante o governo FHC, uma orientação da presidência da Petrobras para fechar um contrato com empresa ligada ao filho do ex-presidente, Paulo Henrique Cardoso. Ele mencionava, ainda, o pagamento de propina pela Alstom e General Electric, fornecedoras de turbinas para geração de energia termoelétrica, em um programa criado pelo governo tucano (OESP, 02.06.2016). Negadas as acusações, a pauta desapareceu.
Por fim, Delcídio do Amaral delatou um esquema de propina, durante a era FHC, de US$ 10 milhões destinados a políticos do PFL baiano (hoje DEM), entre 1999 e 2001, durante a compra de equipamento para a refinaria Landulfo Alves (El País, 03.05.2016). FHC e o PSDB negam as acusações; a mídia encerra o assunto.
Gestão Alckmin
O governo Geraldo Alckmin também aparece em um relatório da PF. Segundo as investigações, em 2002, houve um suposto esquema de pagamento de propina nas obras de duplicação da Rodovia Mogi-Dutra (OGLOBO, 26.03.2016). Vale conferir, também, a minuciosa reportagem da jornalista Conceição Lemes, no VioMundo, sobre as empresas e os doleiros Alberto Yousseff e Adid Assad (preso pela segunda vez) e as obras realizadas nos governos Serra e Alckmin, em São Paulo (VioMundo, 18.12.2015).
Ao contrário da mídia alternativa, quem iria a fundo atrás desse roteiro que pode chegar ao coração do poder tucano?
Eduardo Cunha
Nem preso, nem cassado, Eduardo Cunha (PMDB – RJ) foi citado pelo lobista e ex-executivo da Toyo Setal, Julio Camargo, pelo recebimento de US$ 5 milhões durante a aquisição de navios-sonda pela Petrobras, junto ao estaleiro Samsung Heavy Industries, em 2006 e em 2007.
No STF, ele já é réu em duas ações penais: a relacionada a esses US$ 5 milhões; e outra relativa ao recebimento de R$ 5,2 milhões para viabilizar a aquisição de um campo de petróleo em Benin (África), pela Petrobras, em 2011. A soma teria sido depositada, em francos suíços, em contas secretas na Suíça.
Além disso, há uma denúncia da PGR (ainda não aceita pelo STF) de que Cunha teria recebido R$ 52 milhões de empreiteiras que atuavam na obra do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Ele também é investigado por ter atrapalhado as apurações contra ele e seus aliados enquanto presidente da Câmara (FSP, 23.06.2016).
Em julho, Cunha se tornou alvo de uma terceira denúncia no STF, por desvio de recursos do fundo de investimento do FGTS. Cunha estaria ligado ao corretor Lúcio Bolonha Funaro e seu assessor, Alexandre Margotto, além do ex-ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves e o ex-vice presidente da Caixa Economica Federal, Fábio Cleto, que delatou o esquema (OESP, 01.07.2016).
Sérgio Guerra
Finado presidente do PSDB, Sérgio Guerra ressuscitou nas delações da Lava Jato. Yousseff e Paulo Roberto da Costa informaram o pagamento de R$ 10 milhões pela construtora Camargo Correia a Guerra, na tentativa de esvaziar uma comissão parlamentar para investigar a Petrobras (EBC, 25.08.2015). Guerra teria agasalhado essa soma em proveito exclusivamente pessoal ou favorecendo seu partido? E a mídia?
José Sarney
Não apenas FHC, mas o ex-presidente José Sarney também apareceu em delações na Lava Jato, durante a delação de Machado: ele teria recebido R$ 16,25 milhões em propina, pagos em dinheiro vivo, entre 2006 e 2014.
Ele também aponta R$ 2,25 milhões pagos por meio de doações legais, mas a partir de recursos ilegais, totalizando R$ 18,5 milhões, proveniente de contratos entre a Transpetro com várias empresas. Machado também citou, em delação, a cifra de R$ 100 milhões paga ao PMDB. (G1,15.08.2016). Sarney nega as acusações.
Renan Calheiros
Desde março de 2015 a maio de 2016, Renan Calheiros (PMDB-AL) foi alvo de nove inquéritos no escopo da Lava Jato (OESP, 03.05.2016).
Seu nome aparece na delação de Sérgio Machado, como recebedor de propinas, na ordem de R$ 32 milhões em desvios nos contratos da Transpetro (G1, 15.06.2016). Ele também foi citado por Delcídio do Amaral, que apontou a existência de um “esquemão fidelizado” entre Renan e Machado, com recursos da estatal (G1, 29.05.2016).
Em março, o doleiro Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, havia mencionado o pagamento de R$ 2 milhões a Calheiros para evitar a instalação, entre 2009 e 2014, de uma CPI da Petrobras (G1, 21.03.2016). Nestor Cerveró também havia citado o recebimento de propina pelo senador, no valor de US$ 6 milhões, por meio do lobista Jorge Luz, referentes a um contrato de afretamento do navio-sonda Petrobrás 10.000 (OESP, 16.12.2015).
O mesmo lobista tinha sido apontado pelo doleiro Fernando Baiano ao delatar o repasse de propina a Renan (OESP, 12.11.2015).
Em julho deste ano, o primeiro entre os nove inquéritos envolvendo Renan foi arquivado por falta de provas (OESP, 06.07.2016).
Renan acaba de ser convidado para ir a China, na comitiva de Temer rumo à cúpula do G-20… (OESP, 23.08.2016). Será este o motivo para tamanha pressa no julgamento do impeachment no Senado?
Aécio Neves
Em março de 2015, o doleiro Alberto Youssef afirmou ter ouvido do ex-deputado José Janene (PP) que Aécio teria recebido recursos ilícitos de Furnas Centrais Elétricas S.A., entre 1996 e 2000. ‘Um comissionamento’, aliviou o doleiro, ‘da ordem de US$ 100 mil mensais’. Youssef reiterou sua afirmação em agosto daquele ano (UOL, 25.08.2015).
OK, Janene morreu.
Mas quem entregaria o acepipe a Aécio?
Quem ocupou a dita diretoria que o senador tucano tinha como sesmaria consuetudinária?
Era alguém da confiança do PSDB mineiro?
Qual o nome, que atividade exerce hoje?
Interesse jornalístico pelas interrogações: zero.
Em dezembro de 2015, era a vez de Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará, mencionar o senador mineiro. Encarregado de transportar o dinheiro enviado por Youssef, ele contou sobre um suposto repasse de dinheiro feito pela UTC a Aécio Neves (OGLOBO, 30.12.2015).
Em fevereiro de 2016, em sua delação à Lava Jato, o lobista Fernando Moura chegou a detalhar a divisão do dinheiro no esquema de propina em Furnas. Escancarava, o delator: “é um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio” (FSP, 03.02.2016).
Depois disso?
Silêncio.
A subsidiária da Eletrobrás voltaria à pauta, em março de 2016, quando da delação de Delcídio do Amaral: “um dos beneficiários dos valores ilícitos [de Furnas] sem dúvidas era Aécio Neves”; “[Toledo] operacionalizava pagamentos” ao senador.
O senador cassado também acusava Aécio de ter favorecido o Banco Rural durante as investigações da CPI dos Correios, em 2005. E, de quebra, dizia ter ouvido de Janene que o mineiro era beneficiário de uma offshore sediada nas Bahamas, com conta em Liechtenstein (OESP, 15.03.2016).
Em 15 de junho, Aécio aparecia em mais uma delação: Machado, ex-presidente da Transpetro, contava aos investigadores da Lava Jato como Aécio foi eleito presidente da Câmara dos Deputados em 2000. Segundo o delator, Aécio recebeu R$ 1 milhão em recursos ilícitos.
A soma era parte de R$ 7 milhões destinados a bancar a campanha de 50 candidatos tucanos em 1998. Machado sustenta que R$ 4 milhões vieram da campanha nacional de FHC; R$ 3 milhões, em dinheiro ilícito do exterior. E mais: “parte do dinheiro para a eleição de Aécio para a presidência da Câmara veio de Furnas” (FSP, 15.06.2016).
Por fim, Léo Pinheiro, ex-presidente e sócio da OAS, condenado a 16 anos de prisão pela Lava Jato, também mencionou o senador tucano como beneficiário do pagamento de propina pela OAS na construção da Cidade Administrativa, em Minas Gerais (RBA, 11.07.2016). Os pagamentos eram feitos para Oswaldo Borges da Costa Filho, segundo Pinheiro, “operador de Aécio neves e controlador das contas das empresas do político” (FSP, 27.08.2016).
Aécio, o PSDB e os citados negaram as acusações.
A novela do inquérito contra Aécio
É revelador, frente a tantas citações no último ano, que Aécio se mantenha ileso da sanha persecutória de Moro e longe de suas prisões preventivas. Somente em maio de 2016, foram abertos dois inquéritos no STF contra o senador mineiro: um sobre Furnas e outro sobre suposto beneficiamento do Banco Rural, cujos proprietários foram condenados na AP 470.
Acompanhe as idas e vindas do processo:
Em março de 2015, quando o PSDB promovia sua campanha pelo terceiro turno no país, o procurador geral da República, Rodrigo Janot pediu o arquivamento das investigações contra Aécio, alegando falta de provas (El País, 05.03.2015). Quase um ano depois, com o Fora Dilma fortalecido, o ministro Teori Zavascki (STF) arquivava a citação de Aécio na Lava Jato, acatando a solicitação de Janot (OESP, 19.02.2016).
A partir da delação de Delcídio, Janot voltou atrás e solicitou a apuração das novas denúncias contra o senador mineiro (FSP, 02.05.2016). Em seu pedido, destacava, inclusive, a presença de documentos de doleiros confirmando a existência de uma conta no exterior, ligada a uma fundação em nome da mãe de Aécio. (FSP, 10.05.2016). No dia 10 de maio, o ministro Zavascki solicitou o encaminhamento dos pedidos para outro integrante da corte (FSP, 10.05.2016).
Quem?
A Gilmar Mendes coube a relatoria.
Em 24 horas após autorizar a abertura do inquérito sobre a corrupção em Furnas (OESP,12.05.2016), Mendes suspendia o andamento das investigações, pedia a Janot que avaliasse se havia realmente necessidade do procedimento contra o senador (OESP, 12.05.2016) e suspendia a coleta de provas (G1, 12.05.2016).
Com a medida, foram dadas três semanas de respiro ao tucano.
Três semanas…
No dia 1° de junho, Janot voltou a solicitar o prosseguimento das investigações contra Aécio no STF (G1, 01.06.2016). No dia seguinte, Mendes autorizava a continuação do inquérito e da coleta de provas, afirmando que “as diligências deferidas não se destinavam à colheita de provas urgentes. Pelo contrário. Os fatos investigados teriam ocorrido há mais de dez anos” (confira a íntegra do despacho).
É evidente o cuidado e a discrepância de tratamento dado ao senador mineiro em comparação aos petistas ou membros do governo do PT investigados na Lava Jato. Também o é a postura em relação aos vazamentos da Operação de Sérgio Moro.
O revezamento 4×100
Quando vazaram pedidos de prisão contra os figurões do PMDB: os senadores Renan Calheiros eRomero Jucá, o ex-presidente José Sarney e Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara (OESP, 06.06.2016), Mendes criticou duramente, chegando a avaliar a prática corriqueira até então como “brincadeira com o Supremo”… “Quem está fazendo isso está cometendo crime” (OESP,07.06.2014).
Janot respondeu, três dias depois, chamando de “levianas” as acusações de que o vazamento teria saído da própria PGR (OESP, 10.06.2016).
Curiosamente, em março de 2016, quando do vazamento ilegal das escutas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff, pela mesma Lava Jato, Mendes afirmava olimpicamente que, naquele momento, era desnecessário “emitir juízo sobre a licitude da gravação em tela”. Havia então, na sua isenta medida das coisas, “confissão sobre a existência e conteúdo da conversa, suficiente para comprovar o fato” (Conjur, 19.03.2016).
Foi a partir dessas gravações que ele concedeu liminar suspendendo a nomeação do ex-presidente Lula à Casa Civil, em março de 2016 (Conjur, 18.03.2016).
Um verdadeiro duplo twist carpado.
Em decisão isolada, Mendes concedeu a liminar, mandando o processo a Plenário do STF para homologação da sua decisão (G1, 23.03.2016).
Essa homologação jamais chegou a ocorrer.
As gravações foram anuladas pelo ministro Teori Zavascki, em junho de 2016, quando da decisão de remeter as investigações sobre o ex-presidente Lula que, até então, se encontravam no STF para a Justiça de Curitiba.
A cobertura do Estadão sobre a decisão de Teori é um primor: o jornalão da família Mesquita aponta no texto a anulação das escutas, mas faz questão de divulgá-las, novamente, uma a uma, em sua página (OESP, 13.06.2016).
Um mês depois, outra denúncia contra o ex-presidente Lula, por suposta obstrução da Justiça no âmbito da Lava Jato, que estava no STF, foi encaminhada à Justiça de Brasília, saindo da Suprema Corte (El Pais, 21.07.2016).
No dia 1° de agosto, o ex-presidente reagia, encaminhando à ONU uma ação contra a perseguição jurídica e política realizada contra ele.
Sobre o recurso, Mendes afirmou se tratar de uma ação ‘precipitada’ e de ‘índole política’ (OESP, 01.08.2016). Na mesma semana, o ministro do STF apresentava um processo que pode cassar o registro do PT (G1, 06.08.2016).
Cassação do PT?
Frente à reação e às críticas, Mendes respondeu: “Nós não estamos propondo a extinção do PT, o que estamos dizendo é que essa prática pode dar ensejo à extinção e a Corregedoria deve fazer a avaliação” (OESP, 08.08.2016).
Ensejo é que não falta…
Em 2015, o ministro havia enviado à PGR e à PF informações sobre a prestação de contas da campanha eleitoral de Dilma, de 2014, para investigação de eventuais irregularidades (OESP,21.08.2015).
Na época, os ministros do TSE consideraram: “as impropriedades e irregularidades encontradas nas prestações apresentadas não são suficientes para a desaprovação das contas” (TSE,11.12.2014).
Mendes também disse que outros partidos poderão ser alvos de investigação, caso tenham se beneficiado de recursos públicos desviados da Petrobras (OESP, 08.08.2016). Não seria o caso dos milhões recebidos pelo senador Sérgio Guerra, então presidente do PSDB?
OK, Guerra morreu.
Questionado sobre as delações recentes pelos executivos da Odebrecht, Mendes foi ameno: “certamente, essas pessoas (Temer e Serra) vão ser provocadas. Por enquanto, o que nós temos são declarações iniciais. Certamente, isso materializado vai ter reflexo também no âmbito da Justiça Eleitoral” (OESP, 08.08.2016).
No dia seguinte, afirmou sobre a possibilidade de novas eleições no país: “… em princípio eu não vejo razão para novas eleições (…) Em caso de impeachment, o presidente é substituído pelo vice. Então, me parece que se confirmando o impeachment, a solução é a assunção do vice e a vida segue” (OESP, 09.08.2016).
A vida segue…
É de Mendes, obviamente, a medalha de ouro da semana.
Na última terça-feira (23.08), em plena prova de decatlo, o ministro defendeu uma investigação sobre os próprios investigadores da Lava Jato.
Disse que os vazamentos da delação do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, é um “abuso de autoridade”.
“Você não combate crime cometendo crime”…
“Ninguém pode se entusiasmar e se achar o ó do borogodó”…
“Cada um vai ter o seu tamanho no final da história”…
“Calcem as sandálias da humildade, o país é muito maior do que essas figuras eventuais”, bradou o ministro (G1, 23.08.2016).
A suposta indignação de Mendes se refere à menção, no panfleto da família Civita, de uma citação de Pinheiro ao ministro Dias Toffoli (STF).
O crime? Por conta de uma infiltração em sua residência, Toffoli contou com uma vistoria realizada por engenheiros da OAS. Depois, ele contratou uma empresa indicada por Pinheiro para reformar sua casa.
Em suma: nenhum crime.
Não só Mendes, mas Janot também veio à público comentar o vazamento do panfleto semanal da direita:
“É um estelionato delacional”…
“Não houve nas negociações ou pretensas negociações de colaboração com essa empreiteira nenhuma referência, nenhum anexo, nenhum fato enviado ao Ministério Público que envolvesse essa alta autoridade judiciária”… (EBC, 23.08.2016)
Conclusão: a delação de Leo Pinheiro, que havia assinado um termo de confidencialidade na Lava Jato, foi suspensa por Janot (G1, 22.08.2016).
Na edição desta semana, mais uma vez, o semanário panfletário da família Civita vaza as declarações de Pinheiro, aproveitando o ensejo para colocar no mesmo bolo as denúncias contra Aécio e Serra, minimizando essas revelações. No UOL, por exemplo, a chamada: “Tríplex de Lula era parte de propina ao PT, diz Léo Pinheiro” (FSP, 27.08.2016).
Em o Xadrez de Toffoli e o fruto da árvore envenenada, o enxadrista mor Luis Nassif havia previsto o próximo lance da partida política no judiciário:
“Se a intenção dos vazadores foi comprometer a delação, agiram com maestria. Sem comprometer Toffoli, o vazamento estimula o sentimento de corpo do Supremo, pela injustiça cometida contra um dos seus. Ao mesmo tempo, infunde temor nos Ministros, já que qualquer um poderia ser alvo de baixaria similar”.
Nassif trabalha com três hipóteses em relação a Janot: dele estar “aliado a Gilmar na obstrução das investigações contra Aécio e Serra”; estar “intimidado, depois do tiro de festim no pedido das prisões de Renan, Sarney e Jucá”; e a de estar “seguindo a lei”, uma hipótese difícil de engolir “pelo fato de até agora não ter sido tomada nenhuma