No pós-Teori, a questão ainda é Lula

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Publicado em Brasil 247 – 

A súbita santificação de Teori Zavaski obedece a uma finalidade política precisa: criar um ambiente de chantagem contra qualquer mudança na postura do STF em relação à Lava Jato. A questão é uma só.




Pretende-se garantir que Sérgio Moro possa prosseguir seus trabalhos de destruição política de Lula e do Partido dos Trabalhadores sem ser incomodado pelo Supremo. A única dúvida é esta. O novo relator da Lava Jato irá discutir os pedidos de habeas-corpus que têm sido solenemente ignorados até agora? Vai pedir explicações? Ou vai ficar tudo como está? Estas são as perguntas.

O receio é este: quando Moro decidir tomar a medida que realmente importa a seus aliados e protetores — a inutilização política de Lula, seja qual for o pretexto alegado — o STF não deve atrever-se a questionar a decisão nem dar espaço para uma revisão. Este é o ponto, a missão reservada a quem for escalado para ocupar-se das funções de relator da Lava Jato no Supremo. E é tudo, amigos. Este é o significado de uma expressão muito ouvida por esses dias, com um tom de dever cívico — a continuidade da Lava Jato.

Temer? Geddel? Jucá? Estamos falando de nomes contingentes e cartas na manga, que podem servir ou não, conforme as conveniências deste ou daquele momento. Moedas de troca, quem sabe?

O essencial é Lula. Esta é a guerra, de um lado e outro.

A justiça brasileira gira em torno disso. Virou campanha e sucessão presidencial. Ninguém dá um golpe de Estado que pode ser revertido num acidente de avião, onde um ministro do Supremo viajava ao lado de um empresário com interesses na Justiça.

Teori Zavaski foi um juiz de méritos superiores ao de muitos de seus colegas de plenário. Suas sentenças nem sempre eram previsíveis, do ponto de vista político, o que é um mérito — pois se tratava de um juiz. Também possuíam um inegável fundamento técnico.

Olhando para os nomes que Michel Temer escolheu para formar seu ministério — sempre há uma relação entre uns e outros, embora as funções sejam diferentes — pode-se apostar que a média do Supremo deve piorar.

Não vamos nos iludir, porém.

Teori guardou para si os segredos de um episódio decisivo da atual crise política. Ele teve em suas mãos o controle direto dos movimentos de dois momentos cruciais — a queda de Dilma Rousseff e o afastamento do presidente da Câmara Eduardo Cunha. Poderia ter tomado uma decisão qualquer dia depois de 17 de dezembro, quando uma denúncia devastadora de Rodrigo Janot chegou ao STF, e 17 de abril, quando a Câmara decidiu afastar a presidente de seu cargo. Mas só despachou o caso 18 dias depois do afastamento da presidente, forçado por uma circunstância curiosa. Se não pedisse o afastamento de Cunha, corria o risco de ser atropelado por Marco Aurélio de Mello, que já pautara uma decisão em que o presidente da Câmara poderia perder a cabeça.

Quando resolveu condenar Cunha, Teori escreveu que “os elementos fáticos e jurídicos denunciam que a permanência do requerido (Eduardo Cunha) no livre exercício do mandato parlamentar e à frente da Câmara de Deputados, além de representar risco para investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas.”

Certíssimo. “O problema”, como lembro no artigo final de meu livro A Outra História da Lava Jato, “é que apenas 18 dias depois da votação que abriu o caminho para Dilma ser conduzida ao cadafalso, sem que surgisse nenhuma novidade no currículo do presidente da Câmara, o STF decidiu, por onze votos a zero, afastar Cunha da presidência e também de seu mandato parlamentar.”

Houve um cálculo político, aqui, um cronômetro que ajustou as conveniências politicas, descrevem Adriano Ceolin e Fabrio Fabrini, no Estado de S. Paulo. “O ministro avaliou que tudo ficou mais fácil após a Câmara ter aprovado a abertura do processo de impeachment.” Segundo os repórteres, “se tivesse suspenso o mandato de Cunha antes disso, (Teori Zavaski) poderia ser acusado de atrapalhar o processo de afastamento da petista. “Ceolin e Fraini escreveram ainda: “teria, com isso de acertar contas com grupos organizados que pediam, nas ruas, a saída de Dilma.” (Estado de S. Paulo, 6/5/2016).

Podemos imaginar que, se tivesse resolvido debater o afastamento de Cunha antes da decisão sobre Dilma, os adversários do governo petista, que se enxergavam na reta final de um golpe parlamentar, seriam capazes de montar um circo midiático para sua destruição, transformando o tiro-ao-alvo moral a que foi submetido Ricardo Lewandowski em pega-pega de jardim de infância. O placar de 11 a 0 contra Cunha talvez virasse a favor. Ou empatasse. Quem sabe?

Ninguém vai saber. E era o correto, o justo.

Há algo de trágico na tarefa a de julgar homens e mulheres. Este é o motivo das togas negras, do ritual que recomenda um comportamento reservado, só falar nos autos — ainda que esta regra, tão necessária, tenha sido diluída num ambiente de gritaria geral que faz parte da crise em que o país se encontra.

Em qualquer caso, um juiz nunca pode temer a própria força, que lhe permite, quando o Direito autoriza, encarar a grande multidão.

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