O Bem Blogado acessa, de novo, o aplicativo do Uber do arquiteto Sérgio AR Pereira, autor do livro “Arquiteto & UBERnista”.
O arquiteto urbanista, trabalhou como motorista de aplicativo entre 2017 e 2019.
No livro, o profissional transporta os leitores a um mundo de ambiguidades, coincidências, autoritarismo e – por que não? – humanismo.
Nesta postagem, Sérgio conta sobre passageiros extremamente doentes correndo para igrejas neopentecostais à procura de uma cura milagrosa.
E veja no final do texto como adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”
Por Sérgio AR Pereira, arquiteto e urbanista que foi UBERnista
O caso mais grave que atendi, relacionado a problemas desaúde, foi o de um homem aparentando ter cerca de 40 anos, acompanhado de sua mãe, saídos da Zona Norte de São Paulo, da Vila Medeiros mais precisamente. Ambos tinham que chegar à maior sede de igreja evangélica existente em São Paulo, na Avenida Celso Garcia, antes das dez horas da manhã.
Tínhamos 35 minutos para isso e o tempo da viagem no aplicativo apontava para três minutos a mais do que o tempo necessário. E corríamos o risco de ficarmos presos no trânsito, por algum acidente ou veículo quebrado. Preveni-os de que poderíamos não obter êxito em nossa tentativa.
O homem tinha um pano amarrado ao pescoço com o qual tampava a boca quando era acometido por uma intensa tosse. Tão intensa que quando ocorreu pela primeira vez dentro do carro me chamou muito a atenção, me assustou.
Percebi imediatamente que o problema era tão grave que quando tossia vertia sangue de sua boca, o qual era retido pelo pano com outras secreções que deveriam lhe causar um grande incômodo.
Ocorre que o propósito de irem à igreja era que naquele dia e horário “Jesus” estaria lá presente e o salvaria de seu câncer na garganta, mas caso se atrasasse perderia a chance de se curar, pois somente na quelas condições o milagre ocorreria.
A mãe, uma senhora de seus 70 anos, estava completamente incrédula e culpava o filho pela doença, por ter fumado até depois de diagnosticado e que acreditava em Deus e Jesus, mas não entendia como era possível aquela igreja, naquela manhã, promover tal encontro e consequentemente tal cura.
Disse-me que acompanhava o filho porque ele mal podia se deslocar sozinho, mas não concordava com a atitude dos “bispos” de levar inocentes a acreditarem que passariam por aquele milagre, como em um passe de mágica.
O tempo da viagem não havia sofrido nenhum impacto, mas, quanto mais o horário se aproximava, mais o homem ficava tenso e sua tosse aumentava, a ponto de ficar insuportável ouvi-la.
Uma tosse forte com tanto catarro e secreções que a mãe propôs ao filho que trocasse o pano antes de descer do carro. Mas, como se tivesse entrado em um transe, ele somente repetia que Jesus estaria lá e iria salvá-lo. Iria garantir a sua chegada e iria curá-lo.
Quando nos aproximamos dos fundos do templo ele me sugeriu que entrasse parcialmente no estacionamento porque ele teria forças para ir dali em diante correndo e chegaria a tempo. Faltavam dois minutos para o horário final.
Ele foi na frente e a mãe ficou para me pagar em dinheiro, mas foi rápida a transação porque ela tinha o dinheiro trocado. Precavida.
Disse-me novamente que achava aquilo uma enganação e não tinha muitas esperanças na cura do filho nem por milagre nem pela medicina, pois estava muito avançada a doença. Mas como acreditava em Deus e percebia a imensa fé de seu filho, resolveu também dar uma chance à sorte. Foi atrás do filho, chamando-o e também teve que correr. Esqueceu-se de trocar o pano do pescoço do moço.
Mal tive tempo de sair de minha posição pensando nas mazelas a que as pessoas simples estão sujeitas, sem saúde pública, com tantas fragilidades, desamparos e abandonos, tornando-se fáceis presas de charlatães de toda espécie que nenhum pudor têm em invocar forças divinas para explorar a fé delas em tal estágio de sofrimento e ao entrar na Avenida Celso Garcia avistei uma jovem carregando seu filho no colo, porém um menino grande, de aproximadamente dez anos, com o corpo todo enrijecido evidenciando o quão difícil era de ser carregado por uma pessoa apenas e de baixa estatura.
Ela corria, para tentar chegar no horário ao templo, mas estava ainda a uma quadra de distância quando já se passavam dois minutos do horário.
Esta mãe sentou-se no chão da calçada e em desespero pelo seu infortúnio pôs-se a chorar copiosamente, pois não seria daquela vez que chegaria para a cerimônia da cura, que ocorre, salvo engano, mensalmente.
Quem pagará por essa exploração? Por esses sofrimentos todos, por tanta fé e inocência aviltadas em nome de um obscurantismo que a mim me envergonha, como pessoa e como cristão que já fui um dia.
Minha mãe, que é católica e tem muita fé nos poderes divinos e seus milagres, achou muito triste aquela exploração da fé alheia. Sentiu-se envergonhada também, pois realmente não cabe outro sentimento para tais situações.
Uma parte da humanidade está gravemente ferida e outra está gravemente doente. A parte ferida acredita no poder da parte doente e assim permite que esses doentes aumentem as suas feridas. E ao verem suas feridas aumentadas se apegam mais e mais à parcela doente que a ilude com a cura, em todas as esferas de emanações de poder.
Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”
Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328
Valor do livro R$ 40,00
Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)
Valor total R$ 50,00