Por Arcírio Gouvêa Neto, jornalista
Cinco dias antes de sua morte, ocorrida na data de 4 de maio de 1937, Noel Rosa, aos 26 anos, mesmo de cama e já bastante debilitado, enviou do município de Piraí, interior do Estado do Rio, para onde fora com sua esposa Lindaura, na tentativa extrema de cura da tuberculose, uma carta endereçada a Almirante contendo a letra do que seria uma embolada e na qual pedia-lhe que fizesse a melodia.
Almirante não chegou a fazer o que o Poeta da Vila desejava, pois logo depois seu amigo de infância morreria. Para não deixar de satisfazer a vontade de Noel, ele apresentou a letra recitada, em seu programa “No Tempo de Noel Rosa”, na Rádio Tupi de São Paulo, acompanhado de uma viola, em 1951, e publicada num box das obras completas do poeta, em 2000, e é com ela que prestamos nossa homenagem póstuma àquele que foi um dos maiores fenômenos de nossa música popular.
Notem que mesmo à beira da morte e já enfraquecido e sem forças para levantar da cama, sob os cuidados de sua dedicada esposa Lindaura, Noel não perderia seu otimismo e alegria diante da vida, sua ironia e bom-humor, o espírito da criação de cenas e tipos engraçados que fazem parte do cotidiano do brasileiro.
E um fato interessante: ele começou sua carreira compondo emboladas, ainda no tempo do Bando de Tangarás, e daria a despedida de sua curta existência também com uma embolada, utilizando a forma de falar característica do interior do país. Coisas da vida.
Na noite de sua morte, já no chalé da Theodoro da Silva, em Vila Isabel, o vizinho da frente estava dando uma festa, não sem antes pedir consentimento à família de Noel, em razão da enfermidade de seu ilustre vizinho, outros tempos. Em dado momento, lá por volta das 23 horas, Noel pede a seu irmão Hélio que vá na festa pedir ao conjunto para tocar um de seus sambas preferidos “De Babado”.
Quando o irmão retorna, pega Noel tamborilando numa mesinha ao lado da cama, o acompanhamento da música. Mas vê, angustiado, os movimentos do irmão diminuindo… diminuindo… diminuindo, Noel estava morto. Morreu ao som de uma de suas músicas preferidas e no ritmo que mais amava: o samba.
Chuva de vento
É quando o vento dá na chuva
Sol com chuva,
Céu cinzento
Casamento de viúva
Zeca Secura
Da Fazendo do Anzol
Quando chove não vê sol
Vai comprar feijão no centro
Bebe dez litros
De cachaça em meia hora
Pra aguentá chuva por fora
Tem que se molhar por dentro
Vento danado
É aquele lá de Minas
Sopra em cima das meninas
Diverte a população
Até os velhos
Vão correndo pras janelas
Pra ver se alguma delas
Já usa combinação
Faz sol com chuva
Tem viúva lá da Penha
Não há viúva que tenha
Tantos pretendente junto
Nessa corrida
Da viúva de seu Mário
Quem for vencedor do páreo
Ganha resto de defunto
Quem nunca viu
Chuva de vento à fantasia
Vá em Caxambu de dia
Domingo de carnaval
Chuva de vento
Só essa de Caxambu
Domingo chove chuchu
E venta água mineral
Um Zé Pau d’Água
Tem um amigo parasita
Não trabalha e sempre grita:
Viva Deus e chova arroz!
Gritando assim
Do seu povo ele se vinga:
Viva Deus e chova pinga
Que o arroz nasce depois
*Título do Bem Blogado