Por Telma Alvarenga, compartilhado de Projeto Colabora –
Pandemia expõe precariedade das Instituições de Longa Permanência para Idosos no país e a ausência de políticas para uma parcela da população que não para de crescer
A pandemia do coronavírus colocou o Brasil cara a cara com problemas que já era urgente enfrentar antes mesmo de a crise sanitária começar. Entre eles, a ausência de políticas públicas direcionadas às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e o preconceito em relação a esses locais, que ganham uma importância cada vez maior, na medida em que a população do país envelhece. Se os idosos estão no grupo de maior risco de apresentar os sintomas mais graves da covid-19, ainda mais vulneráveis são os que vivem nessas instituições.
Na França, por exemplo, até meados de maio, mais da metade das mortes pela doença ocorreram em asilos para idosos ou outros estabelecimentos sociais. No Brasil, segundo a geriatra Karla Giacomin, de Belo Horizonte, diretora-geral da Frente Nacional de Fortalecimento às Instituições de Longa Permanência para Idosos, ainda não existe um número oficial sobre as mortes em ILPIs, mas já foram registrados casos em cidades como São Paulo, Campinas, Piracicaba, Vitória, Belo Horizonte, Passo Fundo. Em Piracicaba, até o início de maio, havia 13 mortos por covid-19 – dez deles eram moradores de asilos.
O país tem cerca de 5.500 ILPIs públicas, filantrópicas e credenciadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que abrigam aproximadamente 78 mil idosos. “Se as instituições estão preparadas para lidar com a pandemia? No momento atual, eu diria que não”, afirma Karla. Justamente para auxiliar essas instituições no enfrentamento da covid-19 é que foi criada a frente. “Elas funcionam na base de bazares, churrascos, feijoadas, bingos para arrecadar verbas. Com o isolamento social, nada disso está acontecendo. Quem doava fraldas não está indo doar, as pessoas não estão dando conta de pagar seu aluguel. Então, uma situação que já vinha se mantendo com alguma precariedade, ficou ainda pior.”
O objetivo da frente, segundo Karla, é “trazer essas instituições para o radar das políticas públicas”. “Queremos criar estratégias para que, neste momento, consigamos respostas em tempo hábil a essa crise. Essa é a motivação emergencial. Mas planejamos ir além. O Brasil está envelhecendo, e não temos uma política pública de cuidados com os idosos contínua, permanente e universal”. A frente produziu um relatório técnico para subsidiar o poder público e, especialmente, a Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da Câmara Federal, no enfrentamento da pandemia, com foco nas instituições de acolhimento.
Mais de 500 voluntários no país
O documento aponta deficiências das ILPIs no país, como “falta de treinamentos para a equipe – cuidadores, médico, enfermagem, fisioterapeuta, fonoaudióloga, nutricionistas, terapeuta ocupacional, educador físico, assistente social, entre outros – relacionados às particularidades da saúde da pessoa idosa e dos cuidados paliativos”. E traz orientações para lidar com essa terrível crise sanitária, com ênfase na prevenção. “Entre os infectados, os idosos são os que mais evoluem para o óbito. Nosso grande anseio é que não haja contágio, que essas instituições tenham equipamentos de proteção, que as pessoas saibam usar. Estamos vivendo um momento único, com situações jamais vistas: como fazer com que um idoso que tem uma demência use máscaras?, por exemplo? Eles estão sem poder ver seus parentes, como lidar com isso?”, explica Karla. O relatório técnico traz um manual de boas práticas, inclusive com propostas de atividades diárias para a saúde física e mental dos idosos institucionalizados, de acordo com o grau de dependência.
A frente nacional já conta com mais de 500 voluntários espalhados pelo país. “O relatório surgiu dessa mobilização da sociedade em torno de respostas factíveis para um país pobre como o Brasil, com informações baseadas em evidências científicas”, diz. “Queremos formar uma rede de apoio para essas instituições, colocando uma para conversar com a outra, e fazendo uma ponte entre elas e os gestores públicos”.
Se por um lado é urgente fortalecer as ILPIs e prepará-las para lidar com a pandemia, por outro é preciso lidar com a escassez de instituições desse tipo no país, o que só agrava um cenário já tão crítico. Segundo Karla, no Brasil, entre 15 e 50% dos idosos têm alguma dificuldade para cuidar de si, mas menos de 1% deles vive em casas de acolhimento. “A chance de um velho pobre ficar dependente de cuidados é sete vezes maior que a de um velho não pobre”, diz a geriatra. Segundo ela, quase 60% das Instituições de Longa Permanência para Idosos estão na região Sudeste; 11% no Centro- Oeste, 12% no Nordeste, 17% no Sul, e apenas 2% no Norte.
No Amazonas, luta para reduzir casos
No Amazonas só existe uma ILPI, a Fundação de Apoio ao Idoso Dr. Thomas, que é pública e funciona na capital. Lá, foram registrados cinco óbitos por covid-19. De acordo com boletim divulgado no dia 13 de maio, 28 dos idosos atendidos pela instituição testaram positivo para o coronavírus. Foi montada uma unidade semi-intensiva, para pacientes com sintomas graves e duas enfermarias para isolamento dos que contraíram o vírus. “Ela atende, em média, 128 idosos e funciona muito bem, tem uma estrutura ótima. A falta de outras instituições (como essa) é um problema para nós”, atesta Kennya Mota Brito, assistente social, mestre em Gerontologia e coordenadora de ensino da Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade, de Manaus.
Kennya, que preside o Conselho Estadual da Pessoa Idosa do Amazonas, é uma das voluntárias da frente nacional. “Estou acompanhando cinco casos de idosos, sem qualquer vínculo familiar e, infelizmente, não dispomos de local para abrigá-los. Alguns estão em situação de rua, dois deles estavam em casa, em condições insalubres, sem qualquer assistência”. Um deles é viúvo, diabético e mora sozinho. Ele contraiu o coronavírus, já recebeu alta, mas continua no hospital. “Estamos aguardando um posicionamento das autoridades em relação ao abrigamento dele. Não temos para onde encaminhá-lo”, lamenta Kennya.
A capital do Amazonas conta com outro abrigo, o São Vicente de Paula, onde, segundo Kennya, vivem 22 idosos. Mas ele não é considerado uma ILPI, porque não se enquadra na RDC nº 283 da Anvisa que regulamenta o funcionamento dessas instituições. Lá, desde que a pandemia começou no país, quatro pessoas morreram. “Uma delas testou positivo para coronavírus”.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, em 2017 o Brasil já tinha 30,2 milhões de idosos (pessoas com mais de 60 anos). A projeção é que em 2031, esse número chegue a 43,2 milhões, superando, pela primeira vez, o número de crianças e adolescentes. Diante desse quadro, especialistas como Karla e Kennya concordam que é fundamental aumentar o número de instituições de longa permanência no país. “As mulheres trabalham fora, os filhos muitas vezes não moram na mesma cidade que os pais… Várias circunstâncias podem fazer com que as pessoas precisem desses equipamentos, que são essenciais nas cidades. Mas, infelizmente, o país é muito desigual e igualmente desiguais são essas instituições. Quem tem dinheiro paga por uma com mais recursos. Quem não tem, esbarra em instituições absolutamente precárias e na ausência de políticas para essa área”, diz Karla, lembrando que mesmo as instituições privadas enfrentam dificuldades. “Em Belo Horizonte, um terço das ILPIs privadas podem ser consideradas instituições precárias”, comenta a geriatra, que atua na Coordenação da Saúde do Idoso da prefeitura de Belo Horizonte como Referência Técnica. Ela revelou esse dado quando apresentou o relatório da frente nacional na Câmara dos Deputados, mês passado. “Isso dá sinal para o Sistema Único de Assistência Social de que ele não está conseguindo suprir a demanda de institucionalização. Precisamos fortalecer o SUAS, precisamos fortalecer o SUS”. Para além da crise atual, Karla conclamou a união de órgãos como o Ministério Público e a Vigilância Sanitária para a construção de “soluções possíveis para um país tão desigual, tão abominavelmente perverso com a população idosa institucionalizada.”