Uma comissão de juristas entregou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma sugestão de projeto de lei para atualizar todo o Código Civil brasileiro. A entrega foi feita nesta semana. Pacheco deve analisar o trabalho dos especialistas e propor a atualização como uma iniciativa da Presidência do Congresso.
Por Gabriella Soares, compartilhado de Congresso em Foco
Segundo líderes partidários do Senado, o trabalho será extenso e Pacheco considera criar uma comissão especial somente para tratar do tema. A dificuldade de análise se dá pela variedade de temas tratados no Código Civil, que vai desde qual é o conceito de família e casamento na sociedade brasileira até direitos de personalidade, de empresas, de posse e de sucessão.
As alterações na lei foram estudadas e estruturadas por uma Comissão de Juristas montada por Pacheco ainda em 2023. Por mais de seis meses, especialistas em direito, professores universitários e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisaram quais temas precisavam ser atualizados no Código Civil.
De início, um dos pontos indicados para atualização é sobre o que constitui um casamento e uma família. O Código Civil, criado em 2001 e em vigor desde 2002, indicava que somente “o homem e a mulher” poderiam se casar ou configurarem uma união estável para a formação de uma família.
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No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em maio de 2011 que as relações entre um casal heterossexual são legalmente equiparáveis com as de um casal homossexual. Ou seja, os integrantes de uma união homoafetiva deveriam ser considerados como uma família. Em 2014, Conselho Nacional de Justiça emitiu decisão de que os cartórios brasileiros devem realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Com base nisto, os juristas sugerem a atualização do Código Civil para indicar de forma clara que uma família se forma pelo casamento de “duas pessoas livres e desimpedidas” ou pela união estável “entre duas pessoas, mediante uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como família”. Ou seja, coloca inclui em uma das principais leis que regem a vida dos brasileiro a igualdade entre casais heteroafetivos e homoafetivos.PUBLICIDADE
Outro ponto importante da proposta dos juristas é a indicação clara de igualdade de direitos entre as duas pessoas que compõem um casal, principalmente nos deveres relacionados aos filhos. A criação dos filhos agora é indicado explicitamente como um dever “colaborativo”, tanto para questões de sustento quanto para cuidado e educação.
Além disso, é indicado também que é dever de ambas as partes manter o convívio com filhos e dependentes mesmo depois do divórcio ou do fim da união estável, assim como as despesas da criação. Ambos os integrantes do casal que terminou também tem o direito de convívio e de sustento de animais de estimação.
A proposta de novo Código Civil também atualiza as relações familiares de acordo com a tecnologia atual. A reprodução assistida é indicada como uma forma legítima de reprodução, além de estabelecer que as pessoas geradas dessa forma têm os mesmos direitos das concebidas naturalmente. A única restrição é que os genitores que quiserem utilizar a técnica devem ser maiores de 18 anos e fazer a escolha de forma livre e “inequívoca”.
O texto coloca, no entanto, coloca regras gerais para o uso de técnicas reprodutivas na sociedade brasileira. Entre elas, a proibição de se criar seres humanos geneticamente modificados, criar embriões para pesquisas ou praticar qualquer tipo de escolha eugenia (criar seres humanos que seriam supostamente melhores geneticamente que outros), para escolher o sexo do bebê ou para criar híbridos e quimeras.
Também há a proibição expressa de utilizar tecnologia reprodutiva para “intervir sobre o genoma humano”, com exceção de casos para “identificação e tratamento de doenças graves via diagnóstico pré-natal ou via diagnóstico genético pré-implantacional”.
Outras novidades
As mudanças no Código Civil proposto pelos juristas são amplas e envolvem diferentes áreas da vida em dó sociedade. Abaixo, alguns pontos de atualização da lei brasileira:
- casamento de menores de 16 anos: o novo texto retira a possibilidade de casamento por causa de gravidez na adolescência;
- reconhecimento de filiação: caso o pai não reconheça a paternidade, mas se recuse a fazer o teste de DNA, o nome dele será colocado na certidão de nascimento da criança e só será retirado mediante prova de que não é o genitor. O caso também deverá ser encaminhado para o Ministério Público para a definição de pensão alimentícia.
- igualdade entre filhos: retira qualquer limitação de direitos de “filho havido fora do casamento”, como no código atual;
- socioafetividade e multiparentalidade: indica que mesmo se não houver ligação genética, a filiação pode permanecer se houver “vínculo de socioafetividade” entre a criança e a pessoa em questão, o que não limita os direitos dos pais genitores, ou seja, dos pais que têm ligação genética com a criança;
- barriga de aluguel: a chamada “cessão temporária de útero” fica permitida somente em casos em que a gestação não é possível por motivos naturais ou por recomendação médica, mas é proibido que a pessoa que está cedendo o útero cobre por isso e a cessão precisa ser registrada oficialmente. A criança resultante será registrada como filha das pessoas “autoras do projeto parental”.
- direitos dos animais: a proposta considera animais como “seres vivos sencientes”, ou seja, com capacidade para sentir e como tal devem ter proteção jurídica com uma lei própria.
Além das mudanças no Código Civil, os juristas também fizeram sugestões de alteração em outras leis com temas relacionados ao direito civil. Entre elas, a lei de transplante de órgãos. A proposta é que a doação de órgãos possa ser decidida e registrada em vida. A decisão só caberia à família caso a pessoa falecida não tivesse explicitado sua vontade em vida.