Por Luiz Antonio do Nascimento, compartilhado de Ultrajamo –
Não, certamente ele não embarcou nessa sozinho, ou na surdina. A curriola palaciana sabia da estratégia de “esticar a corda” com o ataque aos ministros do STF. E a estimulou. Mesmo a partir de um político sem qualquer expressão, cultura e educação, com passagem de seis anos pela Polícia Militar repleta de sanções disciplinares, repreensões e advertências. A reação do STF foi rápida e teve respaldo da Câmara. Só ficou ao lado dele a corja bolsonarista que tem as mesmas ideias e posições antidemocráticas e, por isso mesmo, deveria acompanhá-lo na prisão
Há algo de estranho nesse episódio do insignificante deputado que afrontou a democracia, ganhou as manchetes, tem passado os últimos dias na prisão com regalias suspeitas e deve perder o mandato. Difícil acreditar que ele, logo ele, um energúmeno de pouca massa cinzenta e muita massa muscular, fez o que fez por iniciativa própria, isolada, individual. Acordou e decidiu: “Vou esculhambar, desafiar, xingar, ofender os ministros da Suprema Corte”. E ponto final.
Seria ingenuidade demais, até mesmo para um massa bruta, achar que não haveria reação. Lógico concluir que ele não passa de um pau mandado, disposto a imolar-se a serviço do ódio e da desinformação; produto de alguma mente maquiavélica do Palácio do Planalto, um bruxo articulador de crises, promotor de eventos que testem os limites da democracia e especialista em produzir cortinas de fumaça para camuflar escândalos maiores e manobras espúrias.
Ou seja: o deputado desprezível entraria em cena para fazer “fumaça” numa semana de crise na pandemia e na Petrobras e funcionar como um “boi de piranha” para testar a paciência das instituições – ele seria o boi velho ou doente escolhido pelo vaqueiro para atravessar o rio antes da boiada e assim descobrir a presença, ou não, das devoradoras piranhas.
Ligado à milícia e aos filhos de Bolsonaro, ele foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, com 31 mil votos, na esteira do discurso raivoso do capitão – chegou a rasgar uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada pelos amigos milicianos. Não conheço uma única pessoa que tenha votado nele, mas gostaria de conhecer. Só para saber quais qualidades, quais atributos esse eleitor viu nele, um ser anabolizado por arrogância, prepotência e ignorância para merecer seu voto.
(Cá entre nós, o que aconteceu com essa terra abençoada que se gabava da boa malandragem, do fino da bossa, da nata da bola, da elite da cultura, dos bambas do samba, das marchas de protesto e dos mestres da política, que chegou a eleger Leonel Brizola governador, em primeiro turno, com 60% dos votos, em 1990? Hoje elege Bolsonaro, Witzel, Crivella, o 01 das “rachadinhas” e o inexpressivo Daniel – Daniel de que, mesmo? – e fica calada diante de todas as mazelas que degradam a cidade maravilhosa)
Não, certamente ele não embarcou nessa sozinho, ou na surdina. A curriola palaciana sabia da estratégia de “esticar a corda” com o ataque aos ministros do STF. E a estimulou. Mesmo a partir de um político sem qualquer expressão, cultura e educação, com passagem de seis anos pela Polícia Militar repleta de sanções disciplinares, repreensões e advertências. A reação do STF foi rápida e teve respaldo da Câmara. Só ficou ao lado dele a corja bolsonarista que tem as mesmas ideias e posições antidemocráticas e, por isso mesmo, deveria acompanhá-lo na prisão. No final, o deputado desbocado que fala a língua do capitão defendendo o AI-5 e, contraditoriamente, alegando exercer a liberdade de expressão, miava como um gato manso. Mas a performance teve atenção e plateia. Como uma nuvem de fumaça, camuflou a gravidade da pandemia e a responsabilidade do governo pela morte, todos os dias, há um mês, de mais de mil brasileiros.
A situação saiu do controle de vez e a população não está se dando conta disso. Continua aglomerando enquanto as novas variantes do vírus tornam o contágio mais intenso. Já não existe vaga nas Unidades de Tratamento Intensivo em várias cidades. Como também já não existe vacina em boa parte do Brasil. Ninguém sabe quando novas remessas chegarão. O ministro da Saúde, perdido em sua incompetência, orienta os municípios a usarem logo a cota reservada à segunda dose. Diz que está contratando novos imunizantes na Índia e na Rússia que sequer foram aprovados pela Anvisa. Mas ignorou oferta de 160 milhões de doses da Coronavac, em julho do ano passado, e deixou sem resposta a americana Pfizer, que acenou com 70 milhões de doses dois meses depois. Para completar, a Fiocruz confirmou que até hoje não assinou o contrato de transferência de tecnologia para que a vacina de Oxford-Astrazeneca possa ser produzida no Brasil.
Mas não foi só o caos na saúde que ficou em segundo plano. A desastrosa intervenção de Bolsonaro na Petrobras também. E custou mais de R$ 50 bilhões de prejuízo à companhia e provocou nova disparada do dólar. Tudo porque o capitão, após passar o carnaval com o líder dos caminhoneiros, decidiu escalar um general para a presidência e apresentar uma solução mágica para evitar o quarto aumento no preço dos combustíveis este ano: baixar o índice por decreto, eliminando os impostos, mas onerando as despesas públicas em mais de R$ 5 bilhões.
O general escolhido, Joaquim Silva Luna, é um dos militares que participaram da redação das mensagens que o ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, espalhou em 2018 ameaçando o STF às vésperas do julgamento do habeas corpus contra a prisão de Lula. Villas Bôas confessou, só agora, que as mensagens refletiam o pensamento da alta cúpula da instituição. O ministro Edson Fachin reagiu, classificando de “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. O general não se deu por vencido. Respondeu com uma mensagem lacônica e ao mesmo tempo irônica: “Três anos depois”.
Que sirva de alerta: o “boi de piranha” não foi de todo devorado. O caminho para um autogolpe está cada vez mais pavimentado pela forte presença de militares por todo lado, pela obsessão doentia de Bolsonaro em armar a população que o apoia e pelas reações de gente como o presidente do Clube Militar, general (mais um) Eduardo José Barbosa. Em nota oficial, ele relevou os impropérios do deputado tresloucado e questionou o Supremo: “Por que os ilustres Ministros do STF pensam que apoiar o regime militar que foi instaurado a partir de 1964 é crime quando uma grande parcela da população tem saudades daquela época?”
Melhor construir uma ponte para atravessar esse rio turbulento.
Para completar:
– Bolsonaro, em mais uma formatura de cadetes – ele não perde uma, para fortalecer sua base nos quartéis: “Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria esse o regime que nós estaríamos vivendo”.
– Precisa ser mais claro?