Por Miguel do Rosário, o Cafezinho –
Arpeggio – coluna política diária
A coluna hoje é uma tradução, feita por mim mesmo, de uma coluna de Vanessa Barbara, uma brasileira que escreve regularmente para o New York Times. Faço alguns comentários em seguida.
O fim do mundo? No Brasil, já é aqui
Por Vanessa BarbaraPublicada em 5 de janeiro de 2017
SÃO PAULO, Brasil – O fim do mundo já chegou ao Brasil.
Pelo menos é o que as pessoas aqui estão dizendo. Uma emenda constitucional aprovada pelo Senado no mês passado é chamada de “PEC do fim do mundo” por seus opositores. Por quê? Porque as conseqüências da emenda parecem desastrosas – e duradouras. Ele vai impor um limite de 20 anos em todos os gastos federais, incluindo a educação e cuidados de saúde.
O governo justificou a medida com base no fato de que o Brasil enfrenta graves deficiências orçamentárias. Mas as pessoas não estão engolindo isso. Uma pesquisa realizada no mês passado descobriu que apenas 24% da população apóia a emenda. Os brasileiros saíram às ruas para expressar sua desaprovação. Eles foram recebidas, como sempre, com gás lacrimogêneo e policiais montados. Alunos do ensino médio ocuparam até 1.000 escolas em protesto, muitos no estado do Paraná, no sul do país.
O governo não está recuando. A emenda do “fim do mundo” é apenas uma das muitas medidas neoliberais que estão sendo adotadas por Michel Temer, o presidente. Deveria ser motivo de preocupação [e estranhamento] que o Sr. Temer possa realizar tantas reformas, especialmente considerando que a maioria delas, incluindo o limite do orçamento, ir contra a agenda da pessoa que – ao contrário do Sr. Temer – realmente ganhou a eleição presidencial mais recente.
Em agosto passado, a presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores foi retirada do cargo por alegações de que ela havia manipulado o orçamento do Estado. Assim que o Sr. Temer, que fora vice-presidente da Sra. Rousseff, assumiu o poder, anunciou uma série de políticas neoliberais. Ele ainda está nisso, dizendo que está aproveitando sua impopularidade para colocar medidas impopulares no lugar.
A emenda do orçamento, como muitas das políticas do Sr. Temer, prejudicará os cidadãos mais pobres e vulneráveis do Brasil por décadas. Este não é apenas o ponto de vista dos opositores de esquerda do presidente. Philip Alston, relator especial das Nações Unidas sobre a pobreza extrema e os direitos humanos, disse recentemente que a medida irá “bloquear, inadequada e afobadamente, investimentos em saúde, educação e segurança social, colocando assim uma geração inteira em risco de experimentar padrões de proteção social bem abaixo daqueles atualmente em vigor”.
Alston acrescentou que a lei colocaria o Brasil em uma “categoria socialmente retrógrada em relação a seu próprio passado”. O que parece exatamente onde o Sr. Temer e seus aliados querem que aconteça.
Além do limite de gastos, Temer apresentou uma proposta de reforma do sistema de pensões do Brasil. Sua proposta fixará uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos, em um país onde a pessoa média se aposenta aos 54. A lei também exigirá pelo menos 25 anos de contribuições para o sistema de segurança social por homens e mulheres.
Há boas razões para o Brasil não ter aprovado leis como essa antes. Embora a expectativa de vida média no Brasil seja de 74, somos um dos países mais desiguais do mundo. Por exemplo, em 37 por cento dos bairros da cidade de São Paulo, as pessoas têm uma expectativa de vida inferior a 65 anos. É ainda mais curto para os pobres rurais.
Alguns dos planos econômicos de Temer nem sequer têm a ver com o déficit orçamentário. Também no mês passado, logo após a aprovação do limite orçamentário, o governo propôs uma lei trabalhista que permitisse que os acordos entre empregadores e sindicatos prevalecessem sobre as leis trabalhistas. A nova proposta também aumenta as horas de trabalho máximas permitidas para 12 por dia e reduz a regulamentação sobre o emprego de trabalhadores temporários. A comunidade empresarial elogiou o plano. Os sindicatos estão enfurecidos.
Outra prioridade do presidente Temer é o projeto conhecido como lei da terceirização. Foi proposto pela primeira vez em 2004, mas nunca passou por causa da forte resistência sindical. Em abril de 2015, foi ratificado pela câmara e agora está aguardando a consideração pelo Senado. O projeto de lei iria libertar as empresas para contratar qualquer trabalhador em regime de terceirização, mesmo nas funções essenciais da companhia. De acordo com as regras atuais, as empresas podem terceirizar apenas empregos “não essenciais”, como as de limpeza e segurança, enquanto os trabalhadores “essenciais” precisam ser contratados diretamente pela empresa, o que significa que têm direito a todos os direitos e benefícios prescritos pela lei, como licença de maternidade, férias e bônus de fim de ano.
Diante de tudo isso, não é surpresa que a administração Temer seja profundamente impopular: uma pesquisa em dezembro descobriu que 51% dos brasileiros classificaram o governo como “ruim” ou “terrível”. Apenas 10% dos entrevistados disseram aprovar o Temer, que assumiu o poder graças ao impeachment de Rousseff, foi condenado por violar os limites das finanças de sua campanha campanha e tem sido delatado em um dos muitos escândalos de corrupção que se desenrolam em o país.
No entanto, o novo governo já recebeu o apoio total das seguintes organizações: Federação Brasileira de Bancos, Frente Parlamentar Agrícola, Confederação Nacional da Indústria, Organização Mundial do Comércio, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil, a Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Motorizados e vários altos executivos.
Para alguns brasileiros, pelo menos, o fim do mundo é o início de uma oportunidade de ouro.
Barbara, que é colunista também do Estadão, não tem muita liberdade para dar a resposta a várias perguntas pertinentes que ela faz em sua coluna. Ela se pergunta, por exemplo, como é possível que um presidente não eleito esteja agindo com tanta afobação e celeridade para aprovar propostas opostas àquelas que foram aprovadas nas urnas.
Ora, a resposta é fácil: a mídia. A mesma mídia que articulou e sustenta o golpe é a que pratica a mais brutal manipulação já sofrida por qualquer população na face da terra. Os brasileiros não sabem o que está acontecendo.
Hoje, por exemplo, o Valor publicou uma matéria sobre o aumento da participação estrangeira na produção brasileira de petróleo, e estampou um gráfico na primeira página.
Esse gráfico não informa o cidadão direito.
Eu fiz um gráfico mais ilustrativo, com duas pizzas, que nos dão uma ideia da mudança brusca, afobada, entreguista, no modelo de exploração do petróleo imposta por um governo que nasceu de um golpe de Estado.
Se você parar um brasileiro na rua e perguntar se ele sabe que o governo Temer está entregando o petróleo a nações estrangeiras, a uma velocidade que poderíamos chamar, no mínimo, de imprudente, ele certamente responderá que não. Assim como não sabe de quase nada do que realmente está acontecendo em Brasília: um saque de patrimônio público sem precedentes. E tudo isso enquanto a grande mídia, por rádio, jornal e TV divulga, com estardalhaço, uma nova denúncia ridícula contra Lula, ou brinca de montar lego com as delações da Odebrecht.