Por Júlia Amin, compartilhado de Projeto Colabora –
Série de reportagens foi motivada após repórter ver de perto o declínio de sua mãe
Mariza Abi Jaoudi, de 68 anos, era uma leitora voraz apaixonada por Jorge Amado. Ia ao teatro semanalmente e caminhava todos os dias pelo condomínio onde vive em Niterói (RJ). Formou-se em Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF) e trabalhou a vida toda na antiga Telerj, mas decidiu se aposentar voluntariamente quando a única filha, que teve aos 39 anos, entrou na alfabetização. Queria acompanhar de perto os estudos da menina. Há aproximadamente nove anos, passou a ter lapsos de memória, não sabia onde havia colocado o óculos, perguntava a mesma coisa repetidas vezes e esquecia de compromissos. Em 2015, já se perdia em trajetos muito familiares. O que começou como demência, se desenvolveu para Alzheimer.
A doença foi progredindo de forma rápida. Neste um ano de pandemia, ela teve uma queda drástica: perdeu a capacidade de formular frases completas, de preparar seu próprio prato durante as refeições e passou a ter muita dificuldade para se vestir e tomar banho. O olhar e o andar ficaram vagos. Passa o dia catando folhinhas no jardim, mexendo em suas bijuterias e lavando a louça.
A história de Mariza motivou esta série de reportagens sobre Alzheimer. Por trás, uma questão pessoal: Mariza é minha mãe. Foi muito impressionante perceber de perto o quanto a falta de contato com as amigas e a quebra da rotina que ela tinha antes do isolamento contribuíram para a sua piora. Ela ficou desorientada e desestimulada. O medo do vírus também a deixou mais agitada nos primeiros meses e com alterações no sono. Sem contato com o mundo externo, restrita à convivência com meu pai e eventualmente comigo, ela se voltou para o seu mundinho particular. Assim como mostrou o estudo da USP, a apatia foi a característica mais marcante desse período.
Quem convive com uma pessoa com Alzheimer tem um misto de raiva e amor profundo. Ao longo de todos esses anos, tive muitos momentos de indignação, de não acreditar e não admitir que ela estava doente. “Ela é tão nova, não é possível”. Já disse isso incontáveis vezes. A vergonha também apareceu em vários momentos. Ficava com medo de minha mãe falar uma bobagem na frente de amigos e conhecidos. Foi muito difícil aceitar o curso da doença e a verdade é que talvez até hoje eu não tenha aceitado de forma completa.
Minha mãe sempre foi uma pessoa muito boa, animada, doce e generosa, uma unanimidade. Nunca conheci quem não gostasse dela. Ela foi a responsável por eu ter tido uma educação construtivista, pelo meu gosto pela leitura, pela minha paixão por viajar e por ter me tornado uma mulher independente. É esse passado que eu me esforço para não esquecer. É nele que me apego quando olho para ela e penso que os próximos anos serão ainda mais cruéis. E aí o coração inunda de amor.
Agradeço ao meu pai, que, mesmo extremamente sobrecarregado, se mostrou um companheiro muito dedicado. E agradeço também aos cientistas, que trabalham incansavelmente na busca de uma cura para essa doença, trazendo para nós um pouco de esperança.