O amor livre brilha como o sol no carro do “Ubernista”

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O Bem Blogado viaja no Uber literário do arquiteto Sérgio AR Pereira, autor do livro “Arquiteto & UBERnista”. Neste texto, Sérgio fala do amor sem amarras, sem perseguição que pôde vislumbrar no seu carro quando motorista de Uber.

Sérgio, arquiteto urbanista, entre 2017 e 2019 trabalhou como motorista de aplicativo. No livro, o profissional transporta os leitores a um mundo de ambiguidades, coincidências, autoritarismo e – por que não? – humanismo.




Passou por meu satélite um mundo mais aberto, simpático, feliz e sem amarras como dois gays, enamorados, que se beijaram várias vezes dentro do carro e conversavam baixinho entre si  com toda cumplicidade e paixão possível.

Senti-me feliz por perceber essa presença de amor que ali, naquele momento, se demonstrou leve e livre, sem cobranças ou temores. Trocaram várias carícias e muitos beijos, suponho, pelos sons que ouvia, pois não tentei em momento algum bisbilhotá-los ou ser inconveniente e intimidá-los.

O mesmo comportamento eu mantive quando um casal de lésbicas passou a namorar da mesma maneira que o casal anterior e emanava sua felicidade por toda a cabine do satélite. Mal sabiam elas que  já estavam na órbita do planeta.

Achei que elas gostariam de saber que  faziam parte de uma aventura espacial, mas preferi não contar, para não interromper todas as declarações de companheirismos e de amor que ouvia de ambas. Nos dois casos senti muita vibração positiva. O amor sempre está certo.

E, segundo um mestre budista vietnamita*, “o amor verdadeiro  é como o sol”. Ele brilha para todos”. Isto é, o amor verdadeiro não combina com apegos, posse ou com dominação e ciúmes. Ele brilha, ele inclui todos os seres e é um amor que se nota e se desenvolve de todas as maneiras.

Não se refere apenas a relacionamentos afetivos. Mas é neste campo, do afeto entre seres humanos, onde há a falta de compreensão do que significa o amor verdadeiro, que ocorre grande parte dos problemas vividos ao longo de nossas vidas.

Seja no campo do relacionamento de casais, seja no relacionamento familiar, quando há a romantização extrema do amor, este dei xa de ser verdadeiro e passa a ter que atender interesses individuais, muitas vezes mesquinhos. O amor verdadeiro pressupõe que cada um cuide do amor que dedica ou recebe para que ele floresça, respeita ndo a individualidade do outro. Sem opressão.


Não consigo dimensionar se um casal formado por pessoas do mesmo sexo, que enfrenta muitas adversidades cotidianamente, está, somente por isso, mais próximo do amor verdadeiro do que um casal de pessoas de sexos diferentes, cuja construção de seu amor recebe melhor aceitação em nossa sociedade. Mas sei dizer que para muitas pessoas o “sol” está muito distante e muitos de nós ainda lutamos contra o seu brilho. O so l não é humano, diriam alguns.

Transportei uma moça certa vez que tinha um comportamento pretensioso de ser o “sol”, isto é, o seu amor (no campo afetivo sexual) era para a humanidade e este conceito incluía o seu corpo, a sua libido e o seu prazer. Conversamos durante quase uma hora e ela me contou    como eram as suas experiências, com o marido 26 anos mais velho do   que ela, que tinha 27 anos, e com outros homens e outras mulheres.


Ela me contou a sua história. Era de Guarulhos (Grande São Paulo) e morava há mais  de três anos em Málaga, na Espanha, onde conheceu a pessoa com quem estava vivendo, um polonês, se não me engano, e que se davam muito bem em tudo, porém fizeram o juramento de não deixar que um  apagasse a chama do outro nem que deixasse a sua própria chama se apagar.

Sendo ela mais jovem e bonita me disse que não tinha dificuldades em encontrar novos parceiros em viagens que fazia, ou mesmo em bares de Málaga quando saía sozinha e que relatava tudo ao companheiro, que por alguns momentos também tinha seus encontros, que às vezes ocorriam com prostitutas, apenas para satisfazer o seu prazer  sexual. E que viviam assim, dessa maneira, com muita consideração. Inclusive com o máximo respeito em relação ao filho que o parceiro tinha de outro relacionamento.


Era uma pessoa inquieta, em busca de prazer também. Por ora me pareceu um pouco egocentrada, mas não, aquele comportamento era natural nela. Não conseguiria ser diferente e não teria muito a ofe recer em outra situação, como em um relacionamento que a fechasse  para o mundo.


Disse-me que fez um curso em São Paulo de massagem tântrica  e que no curso era necessário escolher um parceiro. Como ela se atrasou um pouco, havia apenas um rapaz sem parceira, que naturalmente  passou a ser o seu parceiro de curso, pois cada um aplicaria os ensinamentos do curso no outro. Comentou que teve sorte, pois o “moço  era um gato”.


Disse-me que ambos passaram por tantos momentos de forte excitação que quando acabaram o curso resolveram ir para a casa do rapaz para fazerem sexo e sentirem o ápice do prazer que as massagens e as passagens do curso lhes haviam proporcionado.

O rapaz, que vivia um relacionamento aberto, telefonou do carro para a sua compa nheira e lhe comunicou sobre a situação toda e a felicidade que estava   sentindo naquele momento e o que iria acontecer, no que foi prontamente entendido e apoiado por sua companheira, que disse que gostaria de conhecer a moça e poderiam ficar os três juntos.


Ressaltou que esse primeiro encontro foi um pouco ofuscado pelas sensações proporcionadas pelo treinamento tântrico do curso, mas os posteriores foram muito melhores e os a três foram mais satisfatórios ainda.

Ficaram muito amigos os três e, sempre que podiam, se encontravam. Não me ocorreu perguntar-lhe se ela já havia transado com dois homens ao mesmo tempo e ela também não relatou nenhum caso, podendo indicar que isso não haveria ocorrido, mas como não perguntei, não sei.

Disse-me ainda que em nenhum desses casos relatados havia qualquer ponta de ciúme do casal, do seu parceiro, ou dela, em relação a este. Contou, porém, que em sua primeira experiência a três, quando o rapaz era o seu parceiro e ele trouxe outra mulher para a relação, chegou a achar que estava havendo um “maior empenho” do parceiro em relação à outra mulher da relação, mas logo atribuiu isso a sua inexperiência no assunto, relevou, relaxou e deixou que tudo acontecesse como tinha que ser.

Disse-lhe da frase sobre o amor ser o sol e ela me respondeu que se sentia exatamente assim, brilhando onde fosse e para quem trouxesse algo que lhe fizesse se sentir bem, ou mesmo que sentisse alguma atração.

Depois a esclareci que esse conceito de amor é mais abrangente e inclui todos os seres vivos, não apenas relacionamentos  afetivos. Ela entendeu que ainda que compreendesse e vivesse uma parte do brilho desse sol, várias outras partes necessitavam de seu cuidado e atenção, pois o que ela buscava e praticava, embora de maneira diversa em relação a outros seres, visava apenas à sua satisfação pessoal e ao seu prazer.

Nunca se enrolara em situações difíceis, mas já havia passado por dúvidas sobre se havia tomado a decisão correta em determinado  momento e que já havia escolhido pessoas que se revelaram péssimas de papo, de cama, ruins em tudo, incluindo a utilização de termos chulos em relação a sua pessoa. Mesmo com tanto esclarecimento, às  vezes ela errava.

Terminamos a corrida com ela gravando com os próprios dedos o seu WhatsApp em meu celular pendurado na saída do ar condicionado do carro e me pedindo para que enviasse um “oi” que ela me enviaria dois ingressos para a peça da qual faria parte em um dos grupos da famosa Praça Roosevelt e seus alternativos teatros, no final de semana   seguinte.

Quando descemos do carro fui ajudá-la com seus vários pertences, pois naquele dia ela estava se mudando da casa da mãe em Guarulhos para a casa de uma amiga onde alugara um quarto, na Pompeia, a uma quadra e meia do prédio em que eu havia morado até dois anos antes.

Falei-lhe dessa coincidência, que a surpreendeu, mas sua amiga achou algo estranho (me pareceu) no jeito que conversávamos, não sei. Percebi que a olhou com um ar de censura e ela me apresentou a esta como um Uber que ficara seu amigo. Despedi-me dela com um  beijo em sua face e vi que a amiga fez nova expressão de censura.

Falei tchau para sua amiga e nunca recebi os tais ingressos pelo WhatsApp. Não entendi o que a travou de me enviar o convite, pois me pareceu ser a pessoa mais sem travas e mais aberta que eu já conheci. E muito divertida também.

Agora, neste momento em que escrevo estes trechos e já se passaram três meses que essa história ocorreu, creio que ela já esteja novamente distribuindo seus ares em Málaga.



*Mestre budista vietnamita é Thich Nhat Hanh, falecido em 22 de janeiro último.
 

Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”

Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328

Valor do livro R$ 40,00

Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)

Valor total R$ 50,00

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