O argumento do juiz que deu 72h para USP matricular aluno dispensado por “não ser pardo”

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Glauco Dalalio do Livramento havia sido aprovado para o curso de Direito através do sistema de cotas, mas foi impedido de dar prosseguimento ao processo após banca examinadora rejeitar sua autodeclaração

Por Ivan Longo, compartilhado de Fórum




na foto: O estudante Glauco Dalalio do Livramento.Créditos: Reprodução/Facebook

O juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou nesta segunda-feira (4) que a Universidade de São Paulo (USP) tem um prazo de 72 horas para matricular Glauco Dalalio do Livramento, estudante de 17 anos que havia sido aprovado na primeira chamada do Provão Paulista para uma vaga na Faculdade de Direito através do sistema de cotas, mas que teve a matrícula cancelada por não ter sido considerado “pardo” pela banca examinadora da instituição

Assim como os demais estudantes que utilizam o sistema de cotas raciais, Glauco Dalalio do Livramento fez uma autodeclaração de que é uma pessoa parda. A avaliação da autodeclaração é feita de forma remota pela banca examinadora, através de fotografias e videochamadas.

Para o magistrado, a análise da autodeclaração através de imagens “não parece ser um critério razoável” para definir se a pessoa é parda ou não. Randolfo Ferraz de Campos escreveu ainda, em sua sentença, que o estudante é “filho de pessoa de raça negra”

“Ao que parece, não se querendo aqui pura e singelamente substituir as bancas julgadoras administrativas (a de origem, que decidiu por maioria, e a recursal, à unanimidade), não se pode mesmo olvidar que o autor é simplesmente filho de pessoa de raça negra, e eventualmente imagens que ora o favoreçam, ora não, na conclusão de pertencimento à raça negra, seja preta ou parda, não parece aqui ser um critério razoável em contexto como este, quanto menos para aferição à distância, tal qual aqui foi feita”, escreveu o juiz.

Segundo a decisão judicial, a forma como o estudante foi definido como “não pardo” pela banca examinadora pode tê-lo prejudicado, uma vez que identificar o pertencimento racial de uma pessoa por fotos ou chamadas remotas é uma tarefa bastante difícil.

“Primeiro, porque imagens geradas por equipamentos eletrônicos não são necessariamente fiéis à realidade. E segundo, porque cabe considerar que a decisão do Conselho de Inclusão e Pertencimento (CoIP), em sua 15ª sessão extraordinária, de 23 de fevereiro de 2024, foi tomada por maioria de votos dos presentes. Restaria, então, saber se, fosse a sessão presencial, haveria de se produzir o mesmo resultado”, diz outro trecho da sentença. 

Relembre o caso

Natural de Bauru, no interior de São Paulo, Glauco Dalalio do Livramento virou notícia em jornal da cidade quando foi aprovado em primeira chamada no Provão Paulista, um vestibular criado exclusivamente para alunos do ensino público. O concurso previa o preenchimento de 1500 vagas na USP e ele concorreu como cotista, a vagas reservadas aos “autodeclarados PPIs” (pretos, pardos e indígenas). Mas não bastou a autodeclaração como pardo e nem o fato de ter passado na prova.

A comissão de heteroidentificação da USP avaliou uma fotografia do aluno, fez uma rápida reunião de poucos minutos com ele e então discordou da sua autodeclaração. “O candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos lisos, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra”, disse a comissão.

De acordo com a USP o procedimento é adotado em relação a todos os alunos que passam no Provão Paulista e se inscrevem para as vagas reservadas, enquanto que os alunos aprovados pela Fuvest fariam a reunião de maneira presencial. A defesa do estudante, por sua vez, alega que o procedimento é inconstitucional.

“A inconstitucionalidade e ilegalidade da resolução da USP é patente, uma vez que tratou pessoas igual (candidatos às vagas do vestibular autodeclarados negros, pardos e indígenas) de forma diferente (apenas os candidatos aprovados pelo vestibular da Fuvest têm o direito de comprovar seu fenótipo presencialmente)”, diz trecho da ação.

A defesa também aponta que o fenótipo não é o único fator que pode verificar uma autodeclaração e que a reunião virtual desfavorece o candidato. A USP, por sua vez, alega impossibilidade de cumprir com entrevistas presenciais a todos os candidatos e diz que a averiguação remota tem como objetivo evitar que candidatos de outras cidades tenham prejuízos financeiros.

Esse é mais um caso de aluno cotista que tem a autodeclaração negada pela comissão de heteroidentificação da USP. Na última quinta-feira (29) noticiamos situação semelhante ocorrida com Alison dos Santos Rodrigues (18), natural de Cerqueira César no interior de São Paulo, que pela mesma razão foi impedido de cursar medicina.

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