O Bem Blogado publica mais uma história vivida por Sérgio AR Pereira, do livro o “Arquiteto & UBERnista”.
O arquiteto urbanista que, entre 2017 e 2019, trabalhou como motorista de aplicativo, conta em livro como foi este trabalho para o qual foi levado devido à crise que embarcou em nossas vidas desde o golpe de 2016.
Publicamos as impressões de Sérgio AR Pereira, em capítulos aqui no Bem Blogado. Desta feita, sobre uma forma bem estranha de preconceito, muito a ver com o mundo consumista em que vivemos.
“Na questão dos preconceitos, se faz necessário pontuar uma observação que fiz de fatos que aconteceram comigo, em relação aos carros que utilizei para trabalhar como Uber.
Nos primeiros meses neste novo trabalho, a partir de agosto de 2017, como vinha de um período de emprego e bons salários, eu tinha ainda um carro tipo Jipe da marca Mitsubishi, ano 2013. Várias pessoas elogiavam o carro, adoravam.
Outras perguntavam sobre o consumo de combustível alto daquele veículo, com o que eu concordava prontamente, pois aquele motor 2.0 inviabilizava qualquer sonho dourado de ganhos e os gastos com combustíveis beiravam a metade dos valores arrecadados. Porém, minha avaliação pairava acima das 4.95 estrelas, tendo chegado a 4.97 estrelas em uma semana mais movimentada.
Achava isso bom, recebia elogios pelos ícones específicos para isso e até por escrito sobre minha atuação. Acreditei que estava prestando um bom serviço e era esse o objetivo a que havia me proposto.
Já estava em busca de outro carro mais econômico e por volta de novembro do mesmo ano consegui fazer um negócio razoável e troquei aquele carro por um Honda Fit 2010/2011, com motor 1.4, já com sinais do tempo em sua carcaça e acabamentos internos. Percebi que esse carro não causava impacto nos clientes, salvo em alguns, aficionados pela marca, ou, até exclusivamente, por aquela versão de design.
Não tenho como afirmar que o motivo foi a troca de carro, mas também não tenho como negar. O fato é que a minha avaliação começou a cair repentinamente e em menos de dois meses chegou a 4.84 estrelas, mesmo o carro estando limpo o tempo todo e ser espaçoso e confortável. E, como o anterior, possuía bancos de couro, mas imagino que foi considerado um carro mediano.
Resultado. Eu continuei sendo o mesmíssimo motorista atencioso, educado, simpático, cuidadoso no trânsito, que abre a porta para os clientes e que conversa ou não com o cliente, de acordo com sua vontade.
Com esse carro, meus ganhos foram maiores e meu lucro aumentou para quase dois terços, descontando alimentação, quando ocorria, combustível, trocas de óleo e tá bom. Tem que parar por aí, porque se for somar seguro, manutenções diversas, IPVA e outras coisas, tudo fica muito mais complicado.
Em dezembro (2018) a Uber começou a me avisar que meu carro, o Honda Fit 2010, iria completar oito anos de idade e deixaria de atender à exigência de tempo de vida do carro para poder participar do aplicativo.
Comecei a procurar um novo carro pelo menos dois anos mais novo e encontrei um Nissan Livina 2012/2013, muito bonito e conservado, que acabei comprando por um preço mais baixo do que eu havia vendido o Fit 2010/2011. Foi o primeiro bom negócio que consegui fazer com carros usados.
E logo após umas folgas entre o Natal e o final de ano e uma semana de janeiro, voltei a trabalhar de carro novo.
Fiquei bastante surpreso ao perceber que os rendimentos estavam muito ruins por conta do período de férias. Poucas pessoas me chamavam e ocorriam longos intervalos entre uma chamada e outra, mas, impressionantemente, a minha pontuação começou a subir de novo e tenho certeza que foi devido ao estado de conservação do carro novo. Chegou a 4.92 estrelas e variou para 4.89 ou 4.90 estrelas.
Por esse carro ser preto e mostrar mais as sujeiras na lataria, levei algumas avaliações que rebaixaram minha média, pois com os ganhos tão em baixa ficou impossível lavar o carro todos os dias para que no final da tarde a chuva de verão viesse e o sujasse novamente.
Mas os clientes (alguns) não entendem essa dificuldade e cobram excelência na prestação de serviços em todos os aspectos e o tempo todo. Obviamente que não estou falando de um carro imundo, mas com algumas marcas de respingos de água da chuva na lataria e nos vidros.
Não discordo da avaliação desses clientes, porém, é impossível, nessas condições, manter o carro impecável e querer obter algum lucro. Somos obrigados a fazer algumas opções as quais podem afetar a nossa média de pontuação em estrelas.
Esses fatos sempre me intrigaram, pois demonstram em que nível chegamos como sociedade, em relação aos preconceitos ou pré-julgamentos do próximo.
O carro para mim não é o item mais importante desta relação, mas para muitos é sim. Na época da TR4 da Mitsubishi, um jovem que transportei disse que estava com sorte naquele dia, pois havia conhecido dois carros da Mitsubishi no mesmo deslocamento. O outro seria um Outlander.
Quanta sorte mesmo!
Sobre o autor
Sérgio A. R. Pereira é Arquiteto e Urbanista desde 1982. Antes disso já escrevia poesias, contos e causos.
Como arquiteto atuou em órgãos públicos e em multinacionais em experiências socializantes e capitalizantes, sempre mantendo o bom humor e suas convicções por onde passou.
Fez cursos como aluno especial de mestrado na USP, extensão em gerenciamento na FGV, MBA em Marketing de Serviços na ESPM, curso de Educação Ambiental no Instituto 5 Elementos e por fim Mestrado em Arquitetura e Urbanismo na FAU Mackenzie.
Superou todas as crises econômicas do país e na pior delas, a de 2017, foi experimentar a vivência UBERnista, meio ressabiado e cheio de lembranças de sua trajetória passada, entre projetos e obras.
Sem perder o bom humor teve a ideia de escrever esse livro que ora se apresenta pleno de esperanças e de compartilhamentos desse momento tão rico de aprendizados múltiplos.
Para adquirir o livro “Arquiteto & UBERnista”
Fazer contato pelo WhatsApp – (11) 93715 5328
Valor do livro R$ 40,00
Valor do envio R$ 10,00 (para todo o território nacional)
Valor total R$ 50,00