Por Guilherme Pavarin, publicado no Portal Vice –
De olho nas pulsações das metrópoles, o pintor paulista Rodrigo Yudi Honda recria cenários comuns a todas as periferias nacionais.
Fato estranho: aos 29 anos, Rodrigo Yudi Honda não tem pressa. Ele não liga de demorar um mês para pintar um cenário que câmeras levariam segundos para retratar. Para esse artista paulista, as fotos, os cliques e os likes não bastam. “Não acho que sou ultrapassado”, diz, ao ser provocado pelo repórter. “Muito pelo contrário: pinto como resposta ao tempo em que nossa relação com as imagens parece banalizada.”
Ainda que nutra inegável espírito anti-millennial, Honda tem feito sucesso entre os jovens da nossa internet. Numa tarde de julho, o pintor publicou novo trabalho em seu perfil do Facebook e, horas depois, quando foi conferir a repercussão, viu que a imagem, uma representação de rua brasileira durante a Copa do Mundo, havia viralizado em outros sites. Entre os elogios, variações do mesmo comentário eram repetidas à exaustão: “acho que esse cara pintou minha vizinhança”.
“Recebi um feedback muito interessante de gente de todo lugar do Brasil, de Porto Alegre a Belém do Pará, dizendo que conheciam esse lugar”, conta o pintor, que nasceu e mora em São Bernardo do Campo. “Acho interessante como as cidades brasileiras têm uma fisionomia em comum, a ponto de pessoas de regiões tão distantes terem se familiarizado com esse cenário.”
O que poucos sabem é que a rua da imagem, na verdade, não existe. É uma invenção do próprio Honda. “Fiz baseado em elementos comuns a qualquer cidade: sobradinhos, muros pichados, bocas-de-lobo, caçamba de entulho, fiação exposta, matinhos crescendo na sarjeta”, explica. “Quis retratar um lugar que poderia ser qualquer lugar.”
Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Honda chegou a trabalhar um pouco na área e, desde 2014, se dedica exclusivamente à pintura e ao desenho. O caminho para se trabalhar nesse ramo no Brasil, como é de se imaginar, não é fácil. Mas o cara parece muito bem encaminhado. Aproveitamos um tempo livre e trocamos uma ideia com ele sobre como é ser um pintor de telas realistas em tempos digitais.
VICE: Você é um cara novo. A pintura não é algo que os mais jovens curtem tanto, né? Como é pintar quadros realistas quando todo mundo sabe tirar fotos?
HONDA: Creio que a pintura realista não seja muito bem compreendida nos dias de hoje porque as pessoas acreditam que a fotografia basta para retratar a realidade. Hoje todo mundo tem acesso a uma câmera, o que faz com que todos sejam produtores de imagens com a facilidade de um clique. Eu, como pintor, também sou um produtor de imagens, mas minhas imagens não nascem de um clique. Nascem de horas de trabalho, de concentração, de observação. Acho que, com isso, ganho paciência, sensibilidade e apuro visual, coisas que, admito, estão um tanto fora de moda. Mas não acho que sou ultrapassado. Muito pelo contrário: pinto como uma resposta a esse tempo onde nossa relação com as imagens parece tão banalizada.
Algumas de suas pinturas que mais gosto possuem interferências de marcas. O efeito é bem legal. O que você busca com isso?
Não pretendo causar estranhamentos com isso. Pelo contrário, gosto de inserir esses elementos porque fazem parte da vida de todo mundo. Há três ou quatro séculos, em tempos pré-industriais, artistas europeus pintavam naturezas-mortas com pratarias, cestos e objetos artesanais que davam uma dimensão do que era a rotina doméstica da época. Hoje somos cercados de objetos industrializados e não retratá-los seria negar essa realidade.
Suas paisagens urbanas são bem melancólicas. O que te inspira a pintar?
Talvez meus retratos urbanos pareçam melancólicos porque caminhar por nossas cidades, principalmente em subúrbios e periferias, não seja uma experiência que inspire grandes alegrias, já que o medo, o abandono e a decadência estética estão sempre presentes e inibem sentimentos positivos. Eu procuro, através da pintura, retratar essas sensações muitas vezes controversas. Não quero cumprir nenhuma missão com isso. Diria que pinto porque não pintar é uma opção que me parece pior.
Todos seus quadros de ruas são paisagens inventadas? Como você faz para representar pixações e grafites?
Tenho poucos retratos de ruas. Mas, pelo visto, esses são os que estão chamando a atenção das pessoas. Essas paisagens são inventadas, mas sempre baseadas em elementos reais. As pichações, por exemplo, existem de fato. Anoto pichações que vejo por aí e escolho algumas para representar nesses quadros.
Como funciona seu processo de criação dessas imagens inventadas?
Tudo começa com a observação. As pessoas costumam ter uma ideia equivocada de que a imaginação na arte implica num abandono da realidade. Na verdade, para imaginar, precisamos saber observar o real antes de tudo. É esse vínculo com a realidade que permite que o ser humano acredite na imaginação, ou seja, é o que permite que a gente nutra sentimentos reais sobre coisas que sabemos que não são.
E demora muito para finalizar uma tela?
Isso depende muito. Alguns levam um dia, outros um mês. Mas essa não é uma preocupação para mim. Levo o tempo que julgar necessário.
Por que a predileção por retratar subúrbios e periferias?
Na verdade, não se trata de uma predileção por subúrbios e periferias. Meu interesse é apenas retratar as coisas comuns que vejo por aí. Acho que se eu retratasse a cidade como um cartão-postal, me sentiria um romântico bobo. Não vivemos num catálogo de turismo. Pelo menos eu, não!
Quais são os artistas que mais te influenciam? São todos pintores?
Essa pergunta é muito difícil de responder, pois, quando se fala em “influência artística”, imaginamos uma espécie de árvore genealógica, como se um artista fosse uma continuação de outro. Isso poderia fazer sentido em outras épocas, mas hoje, com a globalização e a internet, passamos a ter contato com o que é feito no mundo todo por milhares de artistas, o que torna impossível saber com clareza de onde vem nosso estilo e nosso jeito de pensar.
É possível viver de arte no Brasil?
Não sei como é a situação em outros países e para outros artistas, mas para mim não está sendo fácil. A classe média aqui não tem o costume de comprar obras de arte, ela prefere comprar outras coisas, o que torna esse mercado muito restrito e elitizado. As pessoas pensam que pagar quinhentos reais num quadro é um absurdo, sem imaginar o tempo e o trabalho que o artista investiu na produção daquela obra. Esse é o primeiro problema. O segundo é encontrar quem se interesse pelo seu trabalho do jeito que ele é porque não dá pra abrir mão de suas convicções artísticas para agradar compradores.
E como é estar à margem desse mercado de arte?
O mercado da arte possui meandros muito esquisitos. Sinto que os artistas, principalmente aqueles em começo de carreira, acabam se tornando mais marqueteiros que artistas, pois a capacidade de se projetar acaba sendo mais valorizada que a sua qualidade artística de fato. Lembro que um dia estava conversando com um artista veterano e ele me aconselhou: “Encontre um bom padrinho!”. Achei isso curioso, porque, em vez dele me aconselhar estudar, praticar, me aprimorar, ele me aconselhou arranjar um lobby. Acho que isso diz muita coisa, não?!
Como é sua rotina?
Divido meu tempo entre estudos, pesquisa e produção. Como ainda estou no começo de carreira, estudar, fazer exercícios técnicos e buscar referências acabam tomando mais tempo que a produção em si. Acho que, para produzir boa arte, é preciso estabelecer uma base sólida. E é isso que eu tenho buscado nesse momento de minha vida, mediante paciência e disciplina. Como você disse no começo dessa entrevista, eu sou “um cara novo”. Por isso, tenho consciência que ainda tenho muito o que aprender!
Tem projetos para o futuro ou vai vivendo um dia de cada vez?
Para este ano, pretendo continuar produzindo e, quando surgirem oportunidades, tentar participar de alguns salões de arte para divulgar meu trabalho.
Confira novidades dos trabalhos de Rodrigo Yudi Honda no seu site pessoal.