O avanço da diversidade na eleição municipal de 2020

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Compartilhado de DW – 

Belo Horizonte e Aracaju elegem mulheres trans. Curitiba vai ter primeira mulher negra na Câmara. Segundo especialistas, reação a Bolsonaro e valorização de candidaturas de movimentos sociais impulsionaram movimento.

Brasilien Sao Paulo | Black Conscience DemoNo aspecto racial, Curitiba elegeu a sua primeira vereadora negra e Porto Alegre, que nunca chegou a ter mais de dois vereadores negros na mesma legislatura, agora terá cinco

As eleições municipais deste ano trouxeram avanços pontuais na diversidade sexual, de gênero e de raça, com alguns nomes quebrando recordes e paradigmas.




Essa movimentação está relacionada a novas regras eleitorais, ao amadurecimento das candidaturas desses campos e a uma reorientação do campo progressista, que segue minoritário e enfrentará resistência de forças à direita, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

Em Belo Horizonte e em Aracaju, as candidaturas mais votadas para o Legislativo local foram de mulheres trans. Duda Salabert (PDT), eleita para a câmara da capital mineira, teve a maior votação da história da cidade: 37.613 votos. Em São Paulo, dois dos dez vereadores mais votados também são pessoas trans. O número de candidatos LGBT foi o maior já registrado, com 502 postulantes, dos quais pelo menos 83 foram eleitos, segundo levantamento do movimento #VoteLGBT.

No aspecto racial, Curitiba elegeu a sua primeira vereadora negra e Porto Alegre, que nunca chegou a ter mais de dois vereadores negros na mesma legislatura, agora terá cinco: quatro mulheres e um homem. O percentual de candidatos negros, que incluiu os que se identificam como pretos e pardos, neste ano alcançou 49,9% e superou o de brancos pela primeira vez nas eleições.

Em relação às mulheres, houve pequenos avanços. A partir do próximo ano, elas serão 16% dos vereadores do país, contra 13,5% de quatro anos antes. Em 18 das 25 capitais onde houve eleições, o número de vereadoras será maior do que o da atual legislatura. E, em relação ao Executivo, sem contar as cidades onde ainda haverá segundo turno, as mulheres serão 12,2% das prefeitas, contra 11,6% do pleito anterior.

Houve também aumento da proporção de mulheres negras se candidatando. Neste ano, 90.839 mulheres negras disputaram um cargo eletivo, ou 16,3% de todos os candidatos. Em 2016, haviam sido 72.969 mulheres negras, 14,7% do total.

Um nome de destaque que conquistou uma vaga na Câmara Municipal do Rio de Janeiro é Mônica Benício, viúva da vereadora assassinada Marielle Franco. Benício, de 34 anos, foi a 11ª vereadora mais votada do Rio, com quase 23 mil votos. No Twitter, ela comemorou o fato de a Câmara ter agora uma vereadora assumidamente lésbica.

Aracaju e Curitiba

Na eleição da capital de Sergipe, um nome que se destacou foi o de Linda Brasil, mulher trans eleita com a maior votação da cidade. Formada em letras e mestre em educação, ela iniciou sua militância política na universidade, ao ter que abrir um processo administrativo para ter o direito de usar seu nome social, após um dos professores se recusar a fazer isso.

À DW Brasil, ela diz que sua vitória tem importância “histórica e simbólica” para o movimento LGBT e é uma “resposta ao aumento de ideias reacionárias que vinha ocorrendo no Brasil desde a eleição de um presidente declaradamente LGBTfóbico, machista e machista”.

Sua maior prioridade será a área da educação, que deveria ser “inclusiva e que desperte o senso crítico dos alunos, e não tratar os alunos como depósito de conhecimento e informação”, e o fortalecimento da agenda de direitos humanos nas periferias.

Outra mulher que fez história no domingo é Carol Dartora, eleita pelo PT e a primeira vereadora negra de Curitiba. Professora da rede estadual de ensino e atuante no movimento negro, ela tem como prioridade combater a violência contra a juventude negra, muitas vezes promovida por órgãos de segurança pública.

Seu mote de campanha foi justamente lembrar que a cidade nunca havia eleito uma mulher negra para a câmara local e pedir aos eleitores: “não reproduza essa história”. “A linha de frente tinha essa denúncia, mas por trás tínhamos também a defesa da classe trabalhadora, da educação pública e contra as violência contra mulher, além de discutir o acesso à cidade com o viés de raça e de gênero”, diz.

Segundo ela, Curitiba construiu para si uma imagem de capital “moderna e rica” que só “maquiou os seus problemas”. “Estamos muito alegres de termos eleito a primeira vereadora negra, mas também é muito triste que só agora entramos nesse espaço”, diz.

Pautas identitárias e partidos

Algumas regras eleitorais aplicadas pela primeira vez em eleição municipal apontaram para uma maior diversidade na representação política dos brasileiros. Neste ano, o fundo eleitoral — recurso público destinado aos partidos para organizar suas campanhas — precisou ser distribuído às mulheres e aos negros na mesma proporção de mulheres e negros candidatos em cada partido.

Apurações preliminares indicam que a regra não foi respeitada integralmente, mas tem efeito positivo no médio e longo prazo para aumentar a diversidade e acabou ajudando também as candidaturas LGBT, como as de mulheres trans negras, afirma o sociólogo Gustavo Gomes da Costa Santos, professor da Universidade Federal de Pernambuco e especialista em movimentos sociais e LGBT.

A destinação de fundos, porém, é apenas uma pequena parte da explicação do sucesso de algumas candidaturas LGBT, que começaram a crescer em 2008 e tiveram em 2020 um resultado “excepcional”, afirma Costa Santos. Segundo ele, houve uma reação à eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e sua plataforma de extrema direita. “Isso trouxe aos movimentos sociais um questionamento de que, se não se organizassem para se contrapor a esse avanço conservador, as consequências seriam muito piores”, diz.

Além disso, ele identifica uma reorganização nos setores da esquerda para valorizar candidaturas de movimentos sociais e fazê-las chegar aos espaços de representação institucional, como as câmaras de vereadores. “Até o governo Lula, havia uma divisão do trabalho entre a esfera legislativa e os movimentos sociais. Mas com o tempo isso foi deixando as pautas de direitos humanos marginalizadas nas câmaras legislativas”, diz.

Houve também uma maior organicidade de candidaturas do campo LGTB, que a partir de 2016 começaram a ganhar mais verbas de partidos e se articular com outras temáticas, como moradia, saúde e educação. A facilidade de fazer campanha pela internet também ajudou. “Antes, essas candidaturas, quando eleitas, eram de cidades pequenas e tinham votações muito baixas. Agora começaram a receber votações expressivas nas grandes cidades, e isso é novo”, diz.

Ele pondera que “não se pode ter falsas esperanças que esses vereadores vão encontrar câmaras completamente abertas a essa temática”, e diz que o sucesso para influir na definição de políticas públicas e em projetos legislativos estará relacionado à habilidade política de cada representante eleito.

“Haverá muitos embates, mas algumas pautas terão maior visibilidade. Dependerá da capacidade de esses vereadores eleitos articularem apoios e convencerem seus colegas. A diferença é que agora eles estarão lá, antes não estavam e não podiam fazer isso”, afirma, lembrando que o campo conservador segue “muito forte” no país.

Evorah Cardoso, codiretora do movimento #MeRepresenta e integrante do #VoteLGBT, afirma que “o resultado da diversidade nas urnas é sem precedentes, mas tem de ser lido em paralelo à consolidação da centro-direita no país”.

“Dobrou o número de pessoas trans eleitas em relação à eleição passada, e houve aumento de mulheres nas câmaras de vereadores das capitais e aumento de pessoas negras eleitas. Mas também houve candidaturas de extrema direita que tiveram sucesso com argumentos transfóbicos e uma pauta moral discriminatória”, afirma.

Ela cita o caso de Belo Horizonte, que elegeu a mulher trans Duda Salabert com a maior votação da cidade e, ao mesmo tempo, o youtuber conservador Nikolas Ferreira (PRTB), que ficou em segundo lugar com 29.320 votos. Após o resultado do pleito, Ferreira declarou que iria tratar Salabert como homem e chamá-la de “ele” em vez de “ela”.

“Esse discurso dá voto e veio para ficar, tem apoio popular. Teremos que observar como essas vereadoras trans irão ocupar esses espaços, porque uma das estratégias da direita é encapsular esses corpos como sectários, como se falassem só de pautas LGBT, quando na verdade costumam ser mandatos que falam de muitos mais temas”, diz. A própria Salabert, ao ser eleita, declarou que priorizará temas de meio ambiente, emprego e educação. “Ela está se colocando fora dessa caixinha onde querem deixá-la”, diz Cardoso.

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