Redação – Pode haver batalhador cultural igual a Adailton Medeiros (estamos procurando), mas melhor do que ele no Rio de Janeiro não existe.
Adailton Medeiros é o idealizador e tocador do Ponto Cine, o primeiro cinema digital popular do Brasil, em Guadalupe, a 40 quilômetros do centro do Rio.
Ele também é um batalhador pelo Bairro Anchieta, onde nasceu.
Aqui, um pouco do muito fazer do povo daquele bairro e o desfazer dos chamados gestores públicos
Por Adailton Medeiros (Ponto Cine), Facebook –
O banheiro do Papa
Desde garoto eu frequento a Praça Granito, em Anchieta (RJ). Tempo em que não havia comércio na parte de baixo, ali era só uma área baldia às costa da escola Guilherme Tell. E olha que levou tempo para chegar o mercadinho Telões na parte de cima. Mas foi com o advento do “Pega”, no final dos anos de 1970 que o comércio irregular começou a tomar conta da calçada da praça que dá para a Cipriano Barata. Ambulantes viram na grande concentração de gente a oportunidade de ganhar um troco.
A Granito nessas cinco décadas já passou por algumas reformas, mas os governos, sempre ineficientes e insensíveis, nunca foram capazes de prever um projeto arquitetônico e urbanístico para abrigar os “barraqueiros”, que acabaram virando uma espécie de patrimônio local dando origem a um centro gastronômico popular, capaz de arrastar gente de todos os cantos, não só de Anchieta, mas também de outros bairros e até de outras cidades, especialmente da Baixada Fluminense. Durante o verão, a praça costuma receber de 2 a 3 mil pessoas por final de semana. Uma média de 10 mil pessoas/mês.
Além de não ter um espaço arquitetônico gastronômico condizente com a beleza da Praça, uma das maiores do Rio, os governos também não foram capazes de prever banheiros para essa multidão que a frequenta. Moças e senhoras chegam a se humilhar para usarem banheiros dos bares do entorno, e jovens e senhores se aliviam em muros alheios, expondo-se ao ridículo, ouvindo muitas das vezes pitos de moradores enfurecidos, e com razão, e correndo o risco de serem enquadrados na Lei de 2015, que prevê multa para os mijões e mijonas.
Como a indústria da violência é mais rentável que a da convivência, em 2011 foi instalada uma Cabine Blindada da PM, ao custo de R$ 96 mil, entre as barracas. Durou até o ano passado e foi retirada. O valor dessa operação não consta em nenhum lugar. Lá ficaram o piso de concreto, a rede de esgoto e ponto das instalações elétricas. Que desperdício… Uma estratégia cara, uma manutenção estúpida, uma herança às baratas…
Num ato de insurgência, os barraqueiros se rebelaram. Apoderaram-se da área improdutiva da antiga cabine, se cotizaram e começaram a levantar um banheiro, com compartimento feminino e masculino. O basta das humilhações das mulheres, a reconciliação entre os homens e os residentes das moradias vizinhas. O projeto mais ousado até hoje…
Porém, a expectativa e quase alegria durou pouco. Comprovando o que os ex-delegado e ex-deputado Hélio Luz diz no fundamental filme “Notícias de uma Guerra Particular”, de João Moreira Salles: “o Estado é eficiente só para o Estado”. A Guarda Municipal semana passada, num “choque de ordem”, chegou à Granito e derrubou as paredes que vinham sendo levantadas.
Senhoras e senhores da Granito, sinto muito em dizer, mas num governo federal cagado, num estadual evacuado, o que esperar do municipal? Assistam o filme franco-uruguaio “O Banheiro do Papa”, em algum link pirata da internet, não vai mudar nada, mas pode confortar.